Destaques 2K23: Melhores Discos

Após falarmos sobre as melhores músicas, os novos artistas, as surpresas e decepções do rap em 2023, a última parte de nossa lista tratará sobre os melhores “discos”.

Entendemos como “Discos” qualquer álbum, EP, mixtape ou coletânea lançada em 2023. Logo, nessa parte da lista, destacamos as 7 melhores obras que se adequem nesse escopo, e que foram destaque para nós durante o ano.

Confira a lista:

“GARCIA” de Victor Xamã

ESCRITO POR

Eduardo Flawess

Garcia é o terceiro álbum de estúdio do rapper manauara Victor Xamã. Partindo de uma narrativa retirante remontando à clássica jornada do herói, o artista disserta, através das nove faixas do disco, sobre seus desejos, anseios, vulnerabilidades e a saudade de sua terra natal desde a partida da capital Manaus até São Paulo, eixo cultural brasileiro, em busca de melhores condições para seu trabalho. 

O disco se propõe a debater os sacrifícios que a arte nortista precisa fazer para resistir à um cenário em que o epistemicídio cultural, fomentado pela lógica da indústria musical, força um apagamento dos artistas dessa região. A partida, quase que obrigatória, exige um preço alto norteado na dualidade céu / inferno, uma aposta contra sistêmica, uma roleta russa.

Eu levei Manaus a força, ela não quis ir vir comigo.

Vxamã assume que Manaus, sua grande saudade, é um bom lugar, mas o que queria ser, o que almeja conquistar com sua arte não cabia ali e apesar das glórias que a chegada ao topo permite, o artista sente a falta de algo, sente o peso das responsabilidades que seu novo eu o proporcionou. Mas, como um bon vivant, as ruas, as festas e os amores encontrados nas madrugadas da cidade que não dorme são celebradas, mesmo sabendo que essas são fugas temporárias a realidade de acordar às 10h do dia seguinte.

A produção musical do álbum bebe dos ritmos jazz, soul, r&b, hiphop em um mood chillout criados pelos produtores Victor Xamã, Duda Raupp, Riff, Janluska, Noshugah & Teo Guedx, onde cada instrumental tem o equilíbrio entre sua personalidade própria e a coesão estética que o disco se preocupa desde a primeira faixa. Os feats, Gabi Farias, Thiago Ticana, MANDNAH, Makalister, Sa Suhett, Karen Francis, Luedji Luna, Flavia K, Matheus Coringa, Gigante no Mic, Big Bllakk e VND foram de suma importância para o projeto trazendo flows diversos, líricas afiadas e melodias que enriqueceram contexto coletivo do disco.

A mudança é um tema bem discutido no projeto, um estado obrigatório que Vxamã reverência como necessário para a construção faixa a faixa do disco. A luta contra suas inseguranças, timidez e desejos molda o artista que escolhe viver seus sonhos, atrás do produto mais lucrativo buscando não se perder em um american dream –  um puro suco esteriótipado neoliberal, devaneios que confundem os nossos. Sempre alerta, onde a cidade dorme de luz acessa, um suprassumo automatizado desde a evolução do capital, em que o descanço virou moeda de troca. A trilogia Cobra Coral (2020, EP), Calor (2021, EP) e Garcia (2023, LP) desemboca em um Norte cada vez mais ciente de sua força, protagonista de seu próprio destino. Garcia é o resultado de como nenhum sonho é grande demais, mesmo com todas as dificuldades, o rapper sempre esteve disposto a viver “um novo eu” por entre as luzes acesas da cidade, um plano B, onde suor e lágrimas tem o mesmo gosto.

“Taurus” de  Duquesa

ESCRITO POR

Kleber Briz

O que falar de Taurus? São oito músicas muito bem produzidas, que dialogam entre si por meio das letras, transbordando confiança e mostrando uma artista madura, segura e focada, tal qual o signo Touro, que representa estabilidade. Todas as faixas do disco causam uma boa impressão, com linhas muito marcantes, seguindo o conceito de apresentar para o ouvinte Duquesa em seu primeiro grande projeto. No entanto, “99 Problemas” e “Big D” são duas que se sobressaem pela qualidade da escrita e versatilidade nas levadas.

Tira o plano do papel e tenha iniciativa
Tão esperando a sua queda só pra foder com a sua vida
Décima dica: Numa mesa de negócios não seja tão mansa
De qualquer forma, você vai ser agressiva

Com uma construção visual bastante chamativa, a artista entrega também um dos videoclipes mais bem-feitos do ano. “TAURUS/ÚNICA”, com direção executiva de Kaire Jorge, mostra sensualidade e determinação de duas perspectivas diferentes, um conceito que se mantém por todo o disco. Estamos presenciando, neste primeiro volume de Taurus, a construção de uma MC completa, que promete mostrar ainda mais versatilidade no Volume 2.

“O AMOR, O PERDÃO E A TECNOLOGIA IRÁ NOS LEVAR PARA OUTRO PLANETA”
de FBC, Pedro Senna & Ugo Ludovico

ESCRITO POR

Michel Chermont

FBC é um artista que vem surpreendendo a cada lançamento, trazendo estilos diferentes em cada um deles, como o UK Drill em “Outro Rolê” (2021) e o Miami Bass em “BAILE” (2022). Dessa vez, o artista mineiro destaca o disco e a house como elementos principais de seu mais recente álbum.

Com a dupla de produtores Pedro Senna e Ugo Ludovico, o disco mergulha em influências de Jorge Ben, Di Melo e Tim Maia, trazendo um misticismo cósmico através das batidas e sintetizadores presentes nos instrumentais feitos pelos brasilienses.

O álbum traz elementos narrativos interessantes, que vão desde inquietações noturnas, relações conflituosas, reflexões sobre o amor até o questionamento sobre o impacto da tecnologia em nossas relações e pensamentos enquanto seres humanos.

Um dos pontos altos dessa obra é o ao vivo. Quem já vivenciou um show de FBC durante essa nova era e foi “batizado pelo groove” sabe o quanto é uma experiência diferente em relação aos outros rappers. O rapper sabe dialogar com seu público e atender seus pedidos, além de manter a qualidade de suas faixas durante o show.

FBC ao vivo no Festival Sangue Novo em Salvador (2023). Foto: Caio Lírio (@caiolirio)

De fato, esse álbum é a constatação do amadurecimento artístico de FBC, seja no vocal, na escrita ou na escolha de temáticas dentro desse escopo tão vasto que é a dance music. Esse amadurecimento em conjunto dos belíssimos instrumentais de Ludovico e Senna, tornam a audição do álbum em algo que transcende nossos fones, nos levando para outro planeta.

“Ogoin & Linguini: TV SHOW” de Ogoin & Liguini

ESCRITO POR

Kleber Briz

Demorei um pouco mais do que os meus colegas da Equipe da Flagra para ouvir o disco, mas quando tive a experiência, fiquei impressionado. A dupla mineira de Ogoin & Linguini construiu um álbum especial, onde a produção, letras e conceito funcionam com uma harmonia que passa a impressão de que os dois são uma pessoa só, quase como gêmeos que completam a frase um do outro ou sabem só no olhar o que o outro está pensando.

Juntando o bem, o bom
O jazz, o soul
O swing, o flow
Essa mistura que fez o vulcão entrar em erupção

Mesmo os interlúdios comerciais e a abertura, que remetem à memória afetiva de assistir sitcoms na televisão e aguardar os intervalos entre cada parte do episódio, se integram ao disco de forma orgânica, sem atrapalhar a experiência de ouvir as faixas muito bem construídas.

“Dudley Boys”, “Sideral”, “Coisas Leves”, “Drinks Infames” e “Bad Times” são algumas das muitas músicas que mostram a criatividade dos artistas em entregar letras muito bem construídas e produções variadas, inspiradas no soul e jazz, mas sem perder o ritmo típico do rap. E ainda para complementar, toda a escolha estética do disco, da capa aos videoclipes, ajuda a sedimentar o conceito que a dupla desejou apresentar com o álbum.

“Eu Ainda Tenho Coração” de Leall

ESCRITO POR

Kleber Briz

Já comentei nas Primeiras Impressões deste disco que Leall me surpreendeu e, após continuar a manter este álbum nas minhas sessões diárias de música, reafirmo que é uma das melhores produções de 2023. Eu Ainda Tenho Coração revela um Leall maduro, sensível e melhor tecnicamente em todos os aspectos. As reflexões apresentadas em cada uma das faixas nos permitem acessar a mente de um jovem negro periférico que tem que tomar decisões a todo momento, as quais podem mudar o destino não só de sua vida, mas também daqueles que estão ao seu redor. A faixa “Malefícios do Dinheiro” é onde este conceito está mais explícito:

Na mente de um suburbano, a ascensão de poder é mais uma armadilha
Entre assaltantes de banco, tráficos e contrabando, eu cresci na guerrilha
Agora, eu tenho tanta coisa pra perder
Muita gente esperando meu sim
É que isso pode causar o meu fim

Ao mesmo tempo, há uma mensagem de esperança retratada em seus relatos pessoais, especialmente no amor que o carioca sente pelo seu filho. Essa intimidade atrai o ouvinte, que não tem como deixar de se impressionar com as produções de Neconbeat, Nagalli, Mello, Apoema e Babidi. Este último, em especial, dominou nos samples e na versatilidade da maioria das produções, criando a atmosfera perfeita para prender quem coloca o álbum no play. Se tivesse que escolher apenas um disco de 2023, estaria tentado a ficar com ‘Eu Ainda Tenho Coração’.

“Terapia” de Ebony

ESCRITO POR

Paulo Neto

Desde seus primeiros passos, Ebony destacou-se organicamente pela afinidade natural com o ritmo, apresentando flows bem encaixados e variados, conectados através de cadências com rimas marcantes e fluidas, isso é inquestionável. Essa habilidade desdobrou-se magnificamente ao longo de sua trajetória. O EP Duquesa e o álbum Visão Periférica já demarcaram sua maestria, estando muito acima da média do que foi feito nos últimos anos. Nesse quesito rítmico, ela supera a maioria dos artistas de destaque no cenário.

O lançamento de Terapia não só confirma a beleza de sua criatividade, mas a introduz em uma nova era mais comercial de sua carreira, com um objetivo mais pop. Apesar de alguns preconceitos do público do Hip Hop em relação à ligação do rap com o pop, ela entrega uma qualidade notável. Sua excelência não permite que fique ruim, muito pelo contrário.

A temática é curiosa e engraçada, sendo um mergulho profundo em sua mente, onde ela se liberta de julgamentos, explorando pensamentos audaciosos e loucuras que desafiam até mesmo suas próprias crenças. De maneira leve e divertida, tanto liricamente quanto musicalmente, ela navega por estilos e ritmos diversos, incluindo rap, funk e disco music, com o time de produtores AG Beatz, Larinhx e Léo Justi da Heavy Baile, proporcionando uma experiência auditiva rica.

Ebony não apenas se estabelece como uma das melhores rappers do Brasil, mas também se encaminha para se tornar uma das artistas mais diferenciadas, prometendo explorar gêneros e apresentar sonoridades ecléticas.

“MPFB” de Big Bllakk & Derxan

ESCRITO POR

João Gabriel Antunes

Apesar de terem lançado, mais tarde no ano, projetos solo muito bons, o ponto alto de Derxan e Big Bllakk foi em Músicas Para Fumar Balão, que conta com produções de Pedro Apoema. A junção do trio, que já era bastante entrosado, em um projeto completo, foi uma baita sacada da gravadora Pineapple Storm, detentora do maior canhão de divulgação do rap nacional atualmente, e que potencializou três artistas muito talentosos do underground carioca. 

Para os mais desavisados, o título do disco pode dar a impressão de que estamos diante de mais uma seleção de raps comerciais, na tentativa de emplacar o próximo hit, mas basta o primeiro play para perceber que a realidade não é bem assim.

MPFB é um trabalho cheio de referências, beats sensacionais e retrata a vida no Rio de Janeiro em todas as suas nuances com letras muito potentes, mas sem perder aquela malandragem típica do carioca. Bllakk, Derxan e Apoema encontraram a fórmula mágica, o que nos deixa ansiosos por mais colaborações do trio. Já queremos #MPFB2!”

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