Celebrando a autenticidade: O elo entre o uísque e o lifestyle no Hip Hop

A evocação de luxo e poder é algo muito importante para a maioria dos artistas de hip-hop. Desde os anos 1980, quase uma década depois do surgimento da cultura, rappers como Run-DMC e Kurtis Blow, com suas grossas correntes de ouro utilizadas para expressar luxo e poder, são exemplos da importância da construção da persona. Atualmente, é comum rappers citarem marcas de bebidas luxuosas em suas letras, principalmente aqueles que cantam Trap, de forma semelhante ao que foi feita décadas atrás. E poucas bebidas esbanjam status social como o uísque.

Um dos elementos que mais influenciam na construção de persona de um rapper, o uísque, é uma bebida cara devido ao complexo processo de produção – na Escócia, por lei, é necessário esperar a maturação por 3 anos em tonéis de carvalho. Há uísques que chegam a maturar por oito, doze ou quinze anos, como os Single Malts.

No Hip Hop brasileiro, a ascensão do uísque é algo recente e mostra que a nova safra de MC’s se preocupa com a construção de sua persona. O rapper MD Chefe, por exemplo, conhecido pela preocupação em criar uma persona elegante e fina, é um dos maiores apreciadores do destilado no Rap Nacional. O artista já apareceu em entrevistas, shows e nas redes sociais consumindo álcool.

MD Chefe tomando uísque no Encontro com Danilo Gentilli/ Foto: Lourival Ribeiro/SBT

O uísque, como símbolo de luxo e status, pode ser encontrado em muitas músicas de rap como uma forma de expressão do poder econômico ou como um elemento de estilo de vida que é almejado ou desejado. A citação ao uísque por alguns rappers pode servir para enfatizar sua ascensão social e econômica ou então para reforçar uma imagem de ostentação e sucesso material.

A campanha do uísque escocês Ballantine’s e RZA é a primeira de uma série de colaborações que une a paixão compartilhada pela música e o uísque. Em agosto deste ano, o hip hop irá comemorar 50 anos e Ballantine’s, segunda maior marca de uísque escocês do mundo, convida um dos fundadores do Wu-Tang Clan, RZA, para uma nova parceira. A proposta da campanha trás o conceito de ser verdadeiro consigo mesmo e abraçar a liberdade de traçar seu próprio caminho. 

Assim como Ballantine’s, RZA, é um dos que melhor representam a autenticidade no meio do hip-hop. O artista, além de músico, é produtor, cineasta, campeão de xadrez e, até mesmo, mestre de kung-fu. A autenticidade de RZA se reflete em sua paixão pela música, cultura e artes marciais, bem como sua capacidade de se manter fiel a seus princípios. 

O estilo de vida do rapper é comparado pela Ballantine’s com o do fundador da empresa, George Ballantine, que já desafiava as convenções do uísque desde 1827 com sua atitude “faça-você-mesmo”. 

Além de sua conexão com o hip-hop e sua cultura, RZA traz uma abordagem lírica honesta sobre suas vivências.  Sua inovação na produção musical também se destaca ao samplear e combinar diferentes elementos musicais, mostrando que não há maneira errada de se expressar.

Na música “
Bring Da Ruckus“, RZA sampleou diálogos do filme de artes marciais“Shaolin and Wu Tang” (1981) para criar uma atmosfera única e característica. Além disso, a própria música “Bring Da Ruckus” apresenta um estilo de produção distintivo de RZA, com batidas pesadas, amostras inovadoras e letras agressivas, características do som clássico do Wu-Tang Clan.


I rip it hardcore like porno-flick bitches

I roll with groups of ghetto bastards with biscuits

Check it, my method on the microphone’s bangin’

Wu-Tang slang, I’ll leave your headpiece hangin’

Bust this, I’m kickin’ like Segall Out For Justice

Inspectah Deck, em “Bring Da Ruckus”

Justamente por isso, Ballantine’s e RZA se juntaram para inspirar as pessoas a explorarem seu lado autêntico. O rapper e o uísque Ballantine’s são semelhantes na busca por excelência, mas, sobretudo, ao se manterem autênticos e verdadeiros com aquilo que eles são.

Afinal, de onde vem o Uísque?

A origem do uísque é incerta, já que países como Irlanda, Escócia e Índia reivindicam sua autoria na criação do destilado.  Os indianos afirmam ter produzido uísque por volta de 800 aC, enquanto os irlandeses afirmam que São Patrício, o santo padroeiro do país, havia fabricado a bebida com os mesmos ingredientes usados ​​hoje.

Entretanto, é correto afirmar que o surgimento da bebida está diretamente ligado ao descobrimento da destilação pelo cientista árabe Jābir ibn Hayyān. O alquimista escreveu 22 pergaminhos com métodos de destilação e cristalização, além de ser o inventor do alambique, um dispositivo usado para destilar e estudar ácidos.

Os estudos de Jābir ibn Ḥayyān tornaram-se conhecidos nos países europeus a partir do século XII. Por meio do contato com os árabes, os monges europeus aprenderam a técnica da destilação e a difundiram pela Europa entre os séculos XII e XV.

Jābir ibn Ḥayyān, ilustração de um manuscrito do século VIII; na Biblioteca Medicea Laurenziana, Florença.

 O termo “Uísque surgiu em 1494, quando o rei Jaime IV da Escócia encomendou 8 recipientes de malte para a produção de 400 garrafas de água da vida – do latim, aqua vitae – pelo Frei John Cor. Em gaélico, língua celta, “uisge Beatha” significa água da vida. Nessa época, a destilação era feita por monges para fins medicinais e cerimoniais, e a produção estava focada principalmente em destilados de malte, feitos a partir de cevada maltada.

 A situação mudou quando o rei Henrique VIII da Inglaterra afastou os monges, e, depois disso, a produção de uísque seguiu seu caminho para o ambiente doméstico. A bebida passou a ser destilada para consumo próprio, já que trazia alegria e relaxamento para quem consumia.

O uísque começou a ser consumido em cerimônias de batismo, de casamento e funerais. Suas doses eram utilizadas para selar acordos e saudar visitas. O consumo do destilado pode ser considerado como uma das representações mais expressivas da identidade escocesa.  

A evidência do hip hop: RZA e Ballantine’s celebrando autenticidade e prestígio

O hip hop é um dos gêneros musicais com mais força cultural global hoje em dia. Além da música e da moda, também influencia no comportamento e nas atitudes, o que inclui o consumo de bebidas alcoólicas. Grandes artistas, que são referências do gênero, têm suas imagens associadas a bebidas alcoólicas, o que, como consequência, passa uma ideia formada de status social e riqueza.  

Nessa linha de raciocínio, é possível explorar como as bebidas alcoólicas têm sido utilizadas como um elemento de ostentação, luxo e prestígio dentro do hip hop e também do funk. Pela sua relevância cultural, se observa como isso pode influenciar os ouvintes e seguidores do gênero e como as corporações de bebidas alcoólicas podem entrar nesse cenário.

As raízes históricas sobre o uso de bebidas alcoólicas como um símbolo de status social no hip hop vem logo do nascimento do gênero, no Bronx, Nova Iorque. Artistas pioneiros, como Run-DMC, Grandmaster Flash e Wu-Tang Clan frequentemente mencionavam marcas de bebidas em suas letras, o que se tornou um padrão que se sustenta até os dias atuais.

O fato é que a intenção dessas menções constantes nas letras nem sempre visava promover o consumo de bebidas alcoólicas de forma irresponsável, mas sim propor uma reflexão sobre realidade de quem canta hip hop, a essência da cultura das ruas e da busca por sucesso e reconhecimento em uma sociedade repleta de obstáculos, falhas e discriminação. 

Tanto o rap quanto o funk são culturas historicamente marginalizadas no Brasil. O funk brasileiro que conhecemos hoje surgiu no Rio de Janeiro, nos anos 80. Começou a se popularizar de verdade já quase nos anos 90, com o nascimento dos bailes funks. Mais tarde, no ano de 2008, em São Paulo, nasceu o funk ostentação. 

Essa vertente também teve bastante desenvolvimento na Baixada Santista, antes de começar a tomar proporção nacional em 2011. As letras do funk ostentação seguiam a mesma ideia e estética do rap ostentação americano dos anos 90, onde os temas giravam em torno de consumismo, carros, dinheiro, bebidas alcoólicas da melhor qualidade e outros bens materiais. 

Uma das músicas que marcou essa era foi “Plaquê de 100”, do MC Guimê, um dos pioneiros do funk ostentação, juntamente com Mc Catra, MC Daleste, MC Lon e MC Pocahontas.

O hip hop chegou no Brasil nos anos 90 e teve um início um pouco diferente. A poesia das ruas chegou com a intenção de denúncia social e histórias sobre a realidade de pessoas marginalizadas pela sociedade. Os pioneiros do gênero no Brasil, como Racionais Mcs, Sabotage, Negra Li, Trilha Sonora do Gueto e outros grandes nomes, apresentavam até certa crítica à ostentação e tinham o foco em passar uma visão direta para quem se identifica. Apesar das críticas serem fortes, os sons não se resumiam apenas nisso. Os artistas também expressavam questões que envolviam bebidas alcoólicas e uma vida de luxo nas letras. 

Ao longo da história do rap, isso foi mudando ainda mais e tomando uma nova forma com a chegada de uma nova vertente do gênero, o trap. No ano de 2014, artistas como Raffa Moreira, o grupo Recayd Mob, entre outros, deram início ao trap no nosso país, muitas vezes considerado como rap ostentação. Agora, os temas voltam a girar em torno de bens materiais caros, como carros de luxo, bebidas alcoólicas de alta qualidade, roupas e outros elementos como prova de status social, sensação de vitória e conquista. 

Dinheiro, luxo e hip hop

Com o crescimento do hip hop e seu alcance global, as marcas de bebidas alcoólicas perceberam a oportunidade de se associarem ao gênero para promover seus produtos. Parcerias com artistas de hip hop tornaram-se comuns, resultando em campanhas publicitárias, patrocínios de eventos e até mesmo lançamentos de edições limitadas de bebidas assinadas por artistas famosos.

Inclusive, isso incentivou muitos rappers renomados a criarem suas próprias marcas de bebidas alcoólicas. Drake, Snoop Dogg, Pharrell Williams, Jay-Z, Ne-Yo e Diddy investiram em uma variedade de bebidas destiladas. Diddy e Jay-Z são os exemplos mais famosos de rappers que obtiveram sucesso nesse comércio.

Para as marcas, associar-se a artistas populares, especialmente no cenário da música, é uma oportunidade única de alcançar uma audiência diversificada e engajada. Os artistas têm uma base de fãs leais e apaixonados, que os seguem e se identificam com eles não apenas por sua música, mas também por seu estilo de vida, moda e interesses. Ao mencionar marcas em suas letras ou usá-las publicamente, os artistas podem criar uma conexão mais profunda entre os fãs e as marcas, o que pode levar a um aumento no interesse e na lealdade do consumidor.

Essa conexão entre bebidas alcoólicas e status social no hip hop pode ter efeitos ambíguos na audiência. Por um lado, pode reforçar estereótipos negativos sobre o consumo excessivo de álcool e sua associação com riqueza e poder. Por outro lado, para alguns jovens artistas e ouvintes, o acesso a bebidas alcoólicas luxuosas pode ser visto como um sinal de sucesso e ascensão social, como já foi citado anteriormente.

O uso de bebidas alcoólicas como status social no gênero de música hip hop é um fenômeno cultural complexo e multifacetado. A parceria entre RZA e Ballantine’s exemplifica como marcas de bebidas alcoólicas têm procurado associar-se a figuras relevantes do hip hop para transmitir uma imagem de prestígio e exclusividade.

No entanto, é essencial que a mensagem transmitida seja autêntica e verdadeira, refletindo os valores tanto do artista quanto da marca, para garantir uma conexão genuína com o público e evitar que essa associação seja percebida como mera estratégia comercial. Através dessa colaboração, a autenticidade e a expressão livre do hip hop podem ser celebradas, mostrando que o sucesso e o status social não precisam ser determinados por padrões convencionais, mas sim pelo respeito e pela valorização da identidade individual do hip hop.






Total
0
Shares
1 comment
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Previous Article

Entendendo "Chove Chuva" do Big Bllakk & Sant | Entrelinhas

Next Article

Apresentação do Spark para o Prêmio Rap Brasil

Related Posts