Destaques 2K23: Músicas

“Dudley Boys” por Ogoin & Linguini

ESCRITO POR

Kleber Briz

O disco Ogoin & Linguini: TV SHOW da dupla mineira conquistou muitos com uma proposta inteligente e cativante de fazer um álbum-sitcom. Escolher uma faixa como favorita dentre as inúmeras deste disco é um desafio, até porque os artistas são muito versáteis em suas composições, produções e entregas. Porém, “Dudley Boyz” merece uma atenção especial, justamente por ser uma música que demonstra todo o potencial dessa dupla. 

Esse é o meu foda-se para o mercado
Hoje, mano, eu não tô a venda
Se eu tivesse eu era o mais caro
Marcado o retorno de uma lenda
Resgatando do passado os melhores sentimentos

Além das punchlines engenhosas inspiradas no universo da luta livre profissional, o flow cheio de energia e em total sintonia com a produção que te empolgam a cada momento da música, que é repleta de mudanças de ritmos. Depois que Dudley Boys termina,  só podemos concordar que não há nada igual a dupla Ogoin & Linguini atualmente.

“Espero Que Entendam” por Ebony

ESCRITO POR

Matheus de Moura

Ebony é um nome conhecido na cena fluminense por construir rimas sobre sexualidade que ultrapassam a mesmice de colegas de qualquer gênero que seja. Desapegada do realismo seco frequente no som de outres MCs que tentam versar sobre amor, pika, xota e o sentimento de ser “fodone”, a rapper emerge anualmente com músicas absurdistas calcadas em frases bem humoradas, uma sátira ao próprio gênero de love/fucksong. Em 2023, contudo, ela superou as expectativas não só com seu álbum, mas também com a primeira diss track a metralhar tantos MCs famosos desde Sulicídio, do Baco. 

https://open.spotify.com/intl-pt/album/2omPP6U3sAgy10Q4wZtswu

A música é curta, com um beat limpo e seco da Larinhx, perfeito para a vibe “papo reto não faz curva”. Buscando demarcar que ela — tal como outras colegas MC — merece mais respeito entre seus pares rappers e mais views do público do gênero, conhecido por ser em grande parte formado por homens cishet. A música ataca com maestria L7nnon, Puterrier, BK, Djonga, dentre outros citados nominalmente. Às vezes o “ataque” é uma piadoca na brotheragem, como é o caso de BK, o qual foi, inclusive, um dos músicos que abriu portas para a MC quando ela ainda estava começando. 

Amo BK porque ele é como um pai pra mim
Eu dou comida e troco a fralda, ele já ‘tá velhin’
Foi meu mentor, o meu padrinho e investiu em mim
Foi pro estúdio de andador pra gravar camarim

Noutros momentos, Ebony desfere golpes sinceros e pouco comedidos contra figurões como Djonga, um rapper que segue ovacionado apesar da decadência na qualidade dos últimos dois álbuns.

Por isso, Djonga
Eu não, eu não vou pedir desculpa, pode vir lamber meu saco
Quer ser o Travis Scott, mas rima mal pra caralho
Isso não é ódio, vida, busca abraçar meu papo
Você é o aviãozinho, a Baddie é o El Chapo

O refresco de escutar um som tão agressivo e tão bem posicionado politicamente (para além do óbvio feminismo empregado na música, lembremos que ela afirma ali que “Eu apoio a Palestina”) é algo muito gostoso e que nos faz lembrar no quanto o rap é um gênero em constante construção e que precisa frear e passar por repaginadas de tempos em tempos. 

Capa do Single “Espero Que Entendam”

A track, todavia, tem dois defeitos, um sério e um de menor importância. O primeiro, o sério, trata-se da transfobia tácita do verso “Se eu tivesse um pau, os bofes iam ‘tá mamando”. O sentido inato da frase é óbvio: se ela fosse um homem, eles estariam levando tão a sério quanto qualquer brother deles. Mas é aí que recai o problema: embora seja verdade que rappers homens tendem a supervalorizar seus amigos, descrever isso como algo ligado meramente a “ter pau” invisibiliza pessoas trans de todo o espectro; afinal, mulheres trans seguem sofrendo tudo de pior no mundo justamente por terem pau ao mesmo tempo que se identificam enquanto mulheres. Mas meramente ser homem também não resolve a equação, uma vez que homens trans são excluídos por terem vagina no lugar de pau. A rima dela mira nos homens hetero e cis, mas acaba atingindo todo o espectro de gênero por consequência da forma como naturaliza a lógica de que pau é coisa de homem. 

O segundo defeito é mais irrelevante, porém ainda assim vale ser destacado. Ebony passa boa parte da música justificante que espera que os caras não levem na pessoal, que espera que entendam que é uma crítica à estrutura, não a eles, embora os cite nominalmente. Isso enfraquece o tom ácido das rimas, é quase como jogar uma alcalino e neutralizar o PH da obra. É necessário que se faça a escolha entre de citar os MCs e bancar a bronca ou não citar e fazer um rap sobre estrutura, sem pensar em indivíduos. A mistura dos dois fez com que os próprios rappers agissem depois com condescendência, fazendo vídeos elogiosos à música, quase dizendo “que bonitinha, rimando tão bem”. 

De certo modo, a reação paternalista da macharada confirma o ponto também. Apesar de achar que Ebony deveria ter pesado mais a mão e se abdicado do medo de “não entenderem”, é inegável que se a música fosse feita por outro mano eles talvez tivessem reagido com raiva e devolvido à altura, independente de disclaimers de que não é para levar na pessoal.

Os defeitos do som compõem a complexidade da música, da cena e do que foi 2023, o primeiro ano pós Bolsonaro. Ebony é uma artista incrível e que movimentou horrores a cena tanto com seu impecável álbum quanto com a diss track contra o machismo no Hip-Hop brasileiro. 

“99 Problemas” por Duquesa com participação de MC Luanna

ESCRITO POR

Paula Paolini


Duquesa
e MC Luanna se juntaram em “99 problemas”, trazendo um som com lírica inteligente, boas referências e toda a estética e pensamento de uma mulher poderosa. O beat de Go Dassisti vem pesado, acompanhando a ideia da letra: a vida de uma mulher negra que não precisa depender de ninguém, nem emocionalmente nem financeiramente; que não precisa se preocupar com suas relações afetivas com homens nem em conseguir satisfazer seus desejos sexuais. Sua beleza, poder e independência estão acima de tudo.

Pra quem acredita esse puto é rico
Mas conta pros amigos quem que banca
Ele me liga, me liga, me liga doidinho pra ver o piercing no meu peito
Sabe que eu sou novinha visionária, por isso não fodo com ele no pelo
Sei que ‘cê gosta de uma preta riquinha
Mas não é de mim que ‘cê vai ter herdeiro

O mais incrível dessa faixa é o sentimento de finalmente escutar um rap com os mesmos temas cantados por uma grande parte de artistas masculinos, porém, com a perspectiva de uma mulher, e ainda, com muito mais atitude. Duquesa e MC Luanna falam de sexo, dinheiro e outros prazeres da vida de forma livre, sem se preocupar com julgamentos e críticas, assim como vemos na maioria dos raps masculinos. A música traduz o sabor de saber o que é melhor para si e não deixar ninguém dizer o contrário.

Eu já falei pra Duquesa
Que 99 problemas e pra cada um deles nós tira de letra
Negra bonita não pode ser fraca, sei que um dia já sofri por feio
Mas fiz enterro desse meu passado pra hoje colher semente, dinheiro
Por isso vive babando nas nossas conquistas
Me chamou pra trampo e eu não cai na sua pica
Coitado te acho muito groupie de artista
Se quiser um conselho, trampa pra mudar a sua vida

99 Problemas ainda faz uma referência bem direta a um dos sons mais famosos do Jay-Z, “99 problems” – como explicamos no nosso quadro Entrelinhas. Apesar do tom misógino que o estadunidense coloca em seus versos, Duquesa, assim como MC Luanna, são bem explícitas ao dizerem que é isso mesmo: homens não são um problema para elas e nunca serão. As duas artistas são definitivamente joias do rap nacional. É incrível ver a evolução de ambas a cada trabalho lançado e a conquista de cada vez mais espaço em line-ups de festivais, apresentações solo lotadas e em muitas outras oportunidades.

“Vigésimo Andar” por Victor Xamã com participação de Luedji Luna

ESCRITO POR

Felipe Adão

Como lidar com aquela sensação de estar em um lugar legal na vida, ter tido experiências significativas no passado, estar junto de pessoas interessantes, mas ainda sentir que falta algo, sentir que falta um novo? Como explicar esse abismo entre o nosso eu do dia a dia e aquele novo eu que está sempre nos assombrando, vagando no horizonte que se estende diante de nós? Esse é o questionamento que permeia a elegante “Vigésimo Andar”, de Victor Xamã com participação de Luedji Luna.

A faixa, presente no álbum GARCIA, incorpora elementos da soul music e do R&B como cordas, piano e linhas marcantes de baixo para criar uma atmosfera aconchegante que nos envolve rapidamente e nos coloca no mesmo estado de espírito de Victor Xamã e Luedji Luna. Logo no início, Victor Xamã diz que:

Amor, eu mudei (amor, eu mudei)
Espero que pra melhor
Ainda não me encontrei (mas)
Senti que era hora de eu ir embora
Lá era sim, um bom lugar, mas
O que eu queria ser, não cabia ali

Mais adiante, com o mesmo sentimento, mas com outras imagens, Luedji Luna complementa perfeitamente o tema da faixa: 

Mar, era tudo que eu tinha
Mas não via horizonte, queria mais
Em meio a concreto e arranha-céus
Eu queria tocar o céu
Eu queria o que era meu

A canção está entre as melhores surpresas do ano, pois atualiza de forma belíssima esse sentimento antigo da humanidade de sempre estar assombrada pela possibilidade do novo, pela possibilidade de trair quem éramos antes em nome de um novo mais condizente com nossos anseios e desejos que estão sempre mudando. Ela é um alento para todos aqueles que sentem não caber mais no lugar em que estão e precisam se jogar no temível abismo do novo.

Yeezy Slide por LEALL com participação de Big Bllakk & Derek

ESCRITO POR

David Silva

LEALL, Big Bllakk e Derek versam sobre a responsabilidade de ser o “homem da casa”, uma figura masculina responsável por levar o sustento para seus familiares. Devido a isso, as rimas de LEALL, por exemplo, nos mostram a bravura de um sujeito que não pode se dar ao luxo de errar e está disposto a passar por cima das dificuldades:

O homem da casa, da casa
Na caça precisa ter pressa
Eu aprendi que a palavra é a arma mais valiosa dessa guerra
Se eu entrasse chorando em casa, apanhava
Aprendi resolver minhas merda’
Sem amigos na indústria
A disputa é suja, eu fodi com as regra’

Os versos remetem ao conceito de masculinidade hegemônica, que, resumidamente, implica que homens precisam ser “durões” para representarem um grupo, neste caso, a família que os aguarda em casa. Essa ideia é imposta num flow agressivo, talvez para impor certa masculinidade, mas é corretamente cadenciada pelos rappers ao decorrer da música.

“Tudo É Pra sempre Agora” por Don L com participação de Luiza de Alexandre

ESCRITO POR

Ruthe Maciel

Não há como falar de romantismo na música brasileira, sem mencionar o Don L. E através do single “Tudo É Pra Sempre Agora” o artista retorna de um intervalo característico entre as suas excelentes obras, destacando-se justamente pela sua forma metódica de criar e compor canções tão profundas e com conexões de maestria compondo a sua equipe; como o icônico beatmaker Nave assinando a produção musical, os sopros do musicista brasileiro Thiago França, o baixo certeiro de Julio Mosil, mixagem e masterização de Luiz Café, os vocais femininos de Luiza de Alexandre, teclados de Herbet Medeiros, direção criativa de André Marelonka e produção executiva de Marina Deeh

Disse que o coração tá interditado
Eu disse: eu sou trabalhador da obra
E é tão século passado amor idealizado
Eu só quero entrega agora

Essa música, porém, não será eternizada apenas como uma admirável canção de amor, mas também como uma obra audiovisual sem precedentes e com uma importância gigantesca de se diferenciar no campo dos videoclipes musicais,  trazendo enriquecedoras referências cinematográficas e da música popular brasileira (MPB), por meio de um trecho da canção “Lua e Estrela” do irreverente  musicista baiano Caetano Veloso, quando Don L diz: “Mas deixa ao destino/Deixo ao acaso“. Assim sendo, nada por acaso. Mas sim, uma generosa e inesquecível obra de arte como sempre o faz.

“SSA” por Sant & LP Beatz com participação de Luedji Luna & VANDAL

ESCRITO POR

Kleber Briz

A faixa de amor lançada por Sant & LP Beatz “SSA” é uma homenagem àquele amor de verão e a paixão que Sant sentiu pela Bahia em sua viagem. Mostrando toda sua capacidade escrita, o carioca se rende aos encantos baianos, desenhando o contexto com suas palavras e criando uma atmosfera que te faz imaginar estar lá na cidade de Salvador.

Combina com a flor que eu trouxe
Quente como mungunzá
Ensina pra mim do axé
É assim que se fala “oxe”? (Oxe)
Quem não quer uma nova chance?
Ninguém é inocente
Mas age como se fosse, né?

Além disso, a faixa ainda traz Luedji Luna, para fornecer certa doçura no refrão, e Vandal, com um verso que complementa perfeitamente a ideia que Sant busca descrever em sua parte. O MC soteropolitano traz a experiência de ter vivido nestas ruas e faz uma paralelo com essa convivência na periferia de Salvador. É impressionante ouvir essas palavras de amor de dois MCs reconhecidos pelo capacidade de retratar a dureza das periferias.

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