NiLL fala sobre novo álbum: “Sempre fez sentido eu tentar achar a minha maneira de fazer as coisas”

Em parceria com Marcos Muller, o “Cosmar”, o rapper Nill lança “O Resgate do Maestro”, um álbum que, buscando representar o jovem nerd periférico,  tem como protagonista um robô em busca de sentimentos em meio ao convívio em favelas. O cantor afirma que há pessoas que acreditam que a periferia e a cultura nerd são dois mundos distintos e não podem se relacionar.

É com o intuito de assustar os que se espantam com a mera existência de nerds favelados que surge a figura do Maestro. Com 12 faixas ao todo, o disco, que está disponível desde o dia 29 de junho, traz Amiri, MC Luanna e outros para compor os feats, além de produções de Duda Raupp, DEEKAPZ e Bonbap. Confira a entrevista completa.

Capa de “O Resgate do Maestro”/ Créditos: Cosmar

Fala, niLL! Tudo bem? Primeiramente, eu gostaria que você nos contasse um pouco mais sobre o álbum. Qual é a ideia principal de “O Resgate do Maestro”?

[R]:. Eu estive trabalhando neste disco durante dois anos e já estava na hora de lançar ele. Eu pude trabalhar com o Cosmar na identidade visual. O nosso plano é explorar o lado das animações, como eu já venho tentando há algum tempo, mas agora a gente encontrou um eixo, que é o Maestro. O intuito era poder descarregar ele, juntamente com essas músicas, mas também poder explorar o mercado das animações e, claro, me manter orgulhoso com a discografia.

Regina é um álbum que fala sobre seus sentimentos e aborda o âmbito familiar. Lógos remete a sua evolução como artista, se assemelhando até mesmo como uma “jornada do herói”. Como é o processo para chegar até esses conceitos? 

[R]: Eu consigo analisar toda essa trajetória a partir do Regina. A gente fez um disco, mas eu não tinha muita vontade e nem consciência artística de colocar um outro protagonista a não ser eu. A gente tem os personagens, que são as pessoas da minha família, mas o protagonista sou eu. Aquele álbum de estréia foi para mostrar a minha realidade e a minha personalidade. A partir dali, eu comecei a ter uma abertura, como foi em “Good Smell Vol.01”, que eu trouxe a Lilith. Ainda que ela não tenha tido uma história, eu comecei a ter um pouco mais de conhecimento nessa área. Depois disso, eu comecei a pesquisar sobre e lancei “Lógos”. Eu pensei muito sobre a temática durante o processo de criação de Lógos, tanto que pensei em algo medieval, no fundo do mar ou na loja de brinquedos, que foi a escolha final. Eu sentei com o Load, que é o quadrinista do “Rap em Quadrinhos”, e achei que os traços deles se relacionavam bem com a estética do trampo. Nisso, a gente meteu marcha. No Lógos, o protagonista ainda sou eu, mas numa versão boneco. Era uma outra linguagem apresentada. A partir disso, eu pensei em fazer mais história para poder interligar tudo no momento que eu quiser, igual em “Vingadores: Ultimato” (risos). Depois do Lógos, eu vim com “Good Smells Vol.02” e trouxe uma história para a Lilith, apresentei ela para o público e mostrei mais coisas. Quando eu começo a pensar em um álbum, primeiro eu elaboro as músicas e, a partir disso, tento conectar com coisas que fazem sentido.

Capa do álbum “Lógos”/ Créditos: Wagner Loud

Eu sinto que os seus álbuns, especificamente, conseguem casar muito com a música. A capa ajuda a construir a sensação do que você está ouvindo. Por isso, eu fiquei bem curioso com a capa do Resgaste do Maestro e gostaria de saber como as coisas vão casar?

[R]: Isso é uma preocupação que eu tinha muito, mas agora eu deixo na mão de Deus mesmo (risos). Era uma parada que me preocupava porque a música tomava forma, mas não automaticamente a capa tomava forma também. A capa é um processo que vem depois. O plano da capa é ser uma extensão do álbum, né? Igual pegar um mangá, você vê a capa e já tem uma ideia do que vai se tratar o resto da história. Então, eu sempre falo que a capa é um bagulho muito importante. Talvez, a capa seja mais importante do que aquilo que você tá falando nas letras, a sonoridade que você tá usando. A capa é a frente da casa, né? Você vai olhar e pensar ‘a entrada dessa casa é maneira’ e vai entrar. A capa é bem isso.

Algo que me impactou muito na capa foi um robô 3D no meio de uma periferia fictícia. Como surgiu a ideia de trazer um personagem para ser a cara do álbum e o que podemos esperar dessa jornada do Maestro?


[R]: Pra gente que é preto e que mora na favela, a hora que a gente fala que a gente gosta de jogar um game, de assistir um anime, a galera meio que quebra essa idéia. Parece que são coisas que não fazem parte do mesmo mundo. Tanto que quando eu vi o Perifacon eu fiquei maravilhado. É um evento de anime feito no meio da favela, que a galera pode ir de graça e que o pessoal gosta. Dentro desse universo caótico que a gente vive, tem essas coisas boas que a gente pode se apegar. Muitas das vezes parece que não faz parte do mundo, mas se for ver mesmo, faz sim!  Um dos motivos foi que um robô dentro da favela é algo difícil de imaginar. A ideia era causar esse choque mesmo, ainda mais sendo um robô 3D dentro de uma favela real. Esse choque era o principal, era para olharem e pensarem: ‘Como vocês pensaram nisso?”. O Maestro tende a ser um símbolo dessa nossa retomada para o mundo real, para conviver com as pessoas. O robô não tem sentimentos porque ele é programado. Dessa vez, a gente quis mostrar como seria a relação dele com as pessoas que pudessem conviver com ele, com as paisagens, com os lugares e com os biomas. Vamos ter muita coisa dele ainda. Eu quero poder levar além das músicas, né? A música é minha paixão, mas eu também tenho esse outro lado para poder dirigir essas animações, criar essas histórias e expandir cada vez mais. Inclusive, esses dias eu estava jogando Fortnite e vi que colocaram a skin do Optimus Prime e eu fiquei ‘Caralho, mano! Que perfeito!’. Eu nunca tinha visto uma skin de robô, tá ligado? O Maestro pode chegar aí algum dia. O plano é poder trabalhar ele ao máximo. Quero chamar outros ilustradores para trazer a visão deles para o Maestro em si, mas isso com o tempo.

Maestro chegando à Terra/ Créditos: Cosmar

Nós sabemos que você ama os animes, games e a cultura nerd em geral. As narrativas impostas nos seus álbuns têm influência dos animes? E qual é a importância desses desenhos japoneses na sua vida?

[R]: Tem muita influência da cultura japonesa. Eu fico vendo as histórias do Masashi Kishimoto, criador do Naruto, e fico abismado com a semelhança que temos no modo de criar. Só que eles desenham, né? Eu não sei desenhar, então fica um pouco mais difícil para mim. Eu tenho que colocar a imagem que eu tenho na minha mente dentro da mente do ilustrador e isso é sempre muito difícil de resolver, mas a gente consegue. A minha brisa é poder continuar fazendo isso. A música em si, no Brasil, ela é entendida de um jeito, tá ligado? Ainda mais a minha música. Então eu sei que não faz sentido eu tentar ficar batendo cabeça com o resto da cena. Não faz sentido eu tentar ter um espaço no meio de tantas coisas que estão acontecendo na cena assim. Sempre fez sentido eu tentar achar a minha maneira de fazer as coisas. Então acho que esse lance de os universos é algo que eu sempre quis, desde pequeno, tá ligado? Se eu tivesse só a música, só a minha face, é como se tivesse faltando algo. Eu acho que tem muitas outras coisas legais pra poder mostrar, para brincar com a criatividade das pessoas do que eu somente usar minha foto ou fazer um clipe meu na frente de um carro com um monte de mina semi nua e bebidas caras.

Quando se fala de álbum novo do Nill, ou até mesmo um single, é comum já pensar qual obra você vai samplear. Você já experimentou samples do Arthur Verocai, David Bowie, Racionais e até a trilha sonora do jogo Undertale. Que sonoridade diferente a gente pode esperar no novo projeto?

[R]: O novo projeto é brasileiro. Ele tem muito elemento das músicas feitas aqui no Brasil, músicas típicas de algumas regiões .Por exemplo, tem uma música que eu tenho um carinho enorme por ela, que é a “Sol”. Ela me tirou totalmente da minha da minha zona de conforto. A música é um baião e tem uns timbres de rap. É produzida pelo Bonbeats, e quando ele mandou essa música eu demorei uns quatro meses pra fazer ela. Foi uma música difícil de fazer, entende?  Mas eu quis fazer isso. Eu queria colocar elementos do Brasil para as pessoas ouvirem lá fora e falar “Isso aqui é música brasileira! Não é nenhum artista precisando imitar o gringo”. O plano é bem esse. Em questão dos samples, eu usei alguns, mas, hoje em dia, eu to segurando mais a mão com os samples. Eu penso que não vai dar nada, mas se você samplear o Arthur Verocai ou o Tim maia, por exemplo, pode dar ruim.

Você participa dos arranjos do seu projeto assinando como “O Adotado”. Até que ponto isso ajuda a atingir o resultado esperado em alguma música? Nesse disco, você chegou a descartar alguma música por não ter conseguido chegar no que você gostaria?

[R]: Eu devo ter descartado umas cinco ou seis músicas do Resgate. Quando eu comecei ele, estava com umas 6 músicas, mas acabei deletando metade. Inclusive, eu nunca tinha descartado tanta música como foi nesse álbum. Decidi chamar alguns outros produtores para me ajudar, como o Lost e o Bonbap. Dirigir o álbum musicalmente e artisticamente é de suma importância. Acho que isso nunca vai mudar, se não cai a qualidade. Cada parte tem que se responsabilizar por uma etapa. Para isso, eu chamei o MBeats para fazer os violinos e fui junto com ele orquestrando e preparando os arranjos, como se fosse um maestro mesmo (risos). Agora eu estou estudando música, aprendendo mais sobre as notas, campos harmônicos e esse conhecimento facilita a deixar explícito o que quero. No novo disco, eu produzi 3 músicas e já tá ótimo. Eu consegui traçar um caminho para os outros produtores. Eu sempre faço desse jeito, começo sozinho e vou adicionando outros membros. 

Rapper niLL em imagem de divulgação do álbum/ Créditos: Anderson Mendes

É correto dizer que você estaria se desprendendo do lado mais alternativo no Resgate? Focando mais no rap mesmo?

[R]: Não digo nem desprender, mas não teve como encaixar alguma mistura inusitada nesse disco. Eu não estava muito conectado pra fazer tantas participações então chamei as pessoas que estavam dispostas a ajudar mesmo. Na música com o 2:22, eu estava com um beat lá que eu não conseguia compor nada. Decidi mostrar para os meninos e eles escreveram a parte deles. Foi isso que me destravou e ajudou a entregar o resultado final. A música ficou sensacional e eles me ajudaram muito. As pessoas que chegaram comigo foram pra fortalecer mesmo. Aconteceu algo parecido com a MC Luanna também. Era um beat que ela não estava conseguindo compor, mas eu queria colocar ela no meu álbum. Na primeira vez que eu vi ela rimando, eu já vi que ela era diferente e tinha que fazer parte do projeto. Ela é sensacional demais, então, para mim, foi um prazer. O Resgate tem muita coisa tranquila, mas também tinha que ter uma sujeira nesse meio. Foi aí que eu decidi chamar o Jamés Ventura e o Jota Ghetto para City Hunters.

 Na faixa “3.0”, que abre o disco, nós temos a participação do Amiri. Quando você anunciou que ele estaria no álbum, você afirmou que ele era seu rapper favorito. Qual a importância de trazer uma referência sua para esse projeto?

[R]: Eu sempre gostei do Amiri, mas a gente nunca teve uma conexão, uma amizade. Eu já tinha visto o show dele e ele sempre recebeu a gente bem, mas a gente não tinha se coligado ainda. Depois do podcast do “Rap, falando”, a gente trocou ideia e viu que tinha muita coisa em comum. A gente gosta basicamente das mesmas coisas. A gente foi trocando ideia e ele sempre foi atencioso, tá ligado? Eu mandava um salve e ele respondia. Às vezes até ele me mandava um alô para ver como estava, se estava tudo bem. Eu achei isso muito foda. Um cara que eu gosto tanto tem esse apreço por mim. Com isso, nós fomos gravar no estúdio e ficamos muito tempo trocando ideia, escrevendo e tudo foi muito mágico. O pessoal que chegou para somar me ajudou muito mais do que eu ajudei eles. O Amiri tinha que abrir o disco comigo para ser algo bem simbólico.

Amiri e niLL, respectivamente/ Créditos: Reprodução/Twitter

De forma geral, como você avalia esse álbum específico nesse momento de sua carreira e o que podemos esperar do futuro?

[R]: Eu não sei o que vai acontecer depois desse disco. É um bagulho que eu estava pensando muito. Não sei. Como criador dele assim e também como um ouvinte, é um passo gigantesco. É uma outra linguagem, é um outro nível. É algo que eu venho projetando há algum tempo e agora deu pra executar. Então com certeza vai ser um outro nível, uma outra outra fase. Eu não tenho muito essa noção do que as pessoas vão achar. Eu acredito que vão gostar, porque as músicas são muito boas, mas eu não sei o que vai significar para cada um, sabe?

Deixe um recado pros seus fãs e pra quem tá acompanhando a gente na Flagra!

[R]: Eu queria agradecer a todos que estão compartilhando, que estão falando do disco. Eu acho que isso daí é mais importante. São as pessoas que fazem o nosso trabalho chegar longe. A gente sozinho não consegue. A gente depende de todos vocês aí que estão ouvindo. Também quero agradecer o pessoal das mídias que estão divulgando e estão registrando a história do Rap, que é algo bem importante. Isso é uma bênção assim! Valorizem as mídias, principalmente as que estão trazendo essas ideias pra nós.O mais importante de tudo é acreditar na sua visão. Você sonhou com uma parada,vai  em frente! Tem que ter coragem. A coragem e a paciência são dois aliados bastante necessários na nossa correria. Esse trabalho que a gente vem fazendo no rap é coletivo. É  trabalho dos artistas, das mídias, dos profissionais da comunicação e da produção. É um trabalho coletivo em prol da cultura. Você que tá lendo isso é bom continuar prestando atenção nas paradas que estão sendo feitas! Nós estamos registrando a era de ouro do Rap Nacional.

Foto de capa: Anderson Mendes

*Entrevista feita por David Silva em parceria com Pedro Zandonadi

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