Obrigado, Emicida

Uma homenagem FLAGRA para uma das figuras mais importantes do rap nacional

Com um vulgo conquistado por “matar” seus inimigos nas batalhas de rima, Leandro Roque de Oliveira, conhecido como Emicida, completa 38 anos de vida neste dia 17 de Agosto e para comemorar, nada mais essencial que uma homenagem a uma das figuras mais importantes do rap nacional. É interessante pensar que apesar do apelido, foi com o amadurecimento ao longo dos anos que este nome ganhou força, quase como se o acrônimo “Enquanto Minha Imaginação Compuser Insanidades Domino a Arte” dominasse cada vez mais a alcunha.

Quando pensamos em fazer uma matéria especial para o Emicida, rapidamente todos os membros da equipe consideraram que seria uma boa ideia. Eu sendo o mais velho do grupo, com 32 anos de idade, acompanhei de perto o desenvolvimento do rapper como artista e, como pessoa, Leandro sempre foi muito aberto em suas produções artísticas e nos seus posicionamentos.

Pra quem já mordeu cachorro por comida até que eu cheguei longe, sua primeira mixtape, lançada em 2009, é um marco, desde sua distribuição feita de forma “artesanal”, vendendo discos de mão a mão levando as cópias na mochila, até a composição provocante e concisa.

“Ooorra…” é indiscutivelmente uma das melhores faixas do Emicida, um livro aberto sobre seus sentimentos, uma “justificativa” para termos um moleque de 23 anos escrevendo com tanta propriedade sobre a vida.

Em particular, considero “Cidadão” uma de suas letras mais complexas e “A cada vento” uma música que mostra o poder de escrita versátil, capaz de falar sobre os assuntos mais variados, das dificuldades do cotidiano às coisas mais simples, de forma acessível, característica cada vez mais preponderante  ao longo de sua carreira como liricista.

Para o resto da equipe, com idade entre 20 a 28 anos, o impacto foi igualmente significativo, porque pegaram alguns dos momentos mais populares do MC. Dos discos Emicídio (2010), Doozicabra (2011) e Glorioso (2013) temos faixas como “Rua Augusta” que fala sobre a prostituição, contando a perspectiva que vai desde o acordar do dia até a arrumação e o trabalho, “I Love Quebrada” descreve a vida e os sonhos de quem vive na periferia paulista; enquanto “Zica Vai Lá” reflete sobre as conquistas de sua carreira, mas sem deixar de contar sua história, que é similar a de muitos — detalhe para o Neymar, no auge da sua popularidade no Santos, faz uma ponta no videoclipe.

Temos ainda os hits “Levanta e Anda” com participação do Rael, que tem muitas músicas em parceria com o rapper, “Hoje Cedo” que traz Pitty e “Gueto” em colaboração com MC Guimê, demonstrando que o MC paulista consegue escrever com facilidade e maestria com artistas de gêneros distintos, dialogando, assim, com públicos diversos.

Muito do que coloco aqui se materializa não apenas nas músicas e em uma discografia que continuou alcançar novos públicos com Sobre Crianças (2015) e Amarelo (2019), mas no impacto que estes discos tiveram nos contemporâneos do rap nacional e da música popular brasileira, à qual ele se misturou eventualmente com elementos próprios e particulares que só encontramos no nosso país.

Parcerias dentro e fora de sua discografia com artistas como Vanessa da Mata, Caetano Veloso, Zeca Pagodinho, Pablo Vittar e Majur continuaram a demonstrar a relevância do artista para a MPB e o pop. Com composições que  denunciam injustiças sociais e falam de assuntos universais como amor, Emicida colocou seu nome entre os melhores compositores deste país.

Dessa forma, artistas como Djonga, Bk’, Drik Barbosa, Matuê, Jé Santiago, Froid são alguns das gerações que o sucederam que se inspiram em sua obra e expandem as escolhas comerciais para obter sucesso. Antes do Emicida, apenas Racionais MC’s tinham alcançado certa independência e relevância sem depender de grandes gravadoras.

Emicida criou a fórmula, não só para o modelo de construção de uma obra musical relevante, mas apostando em produções em shows ao vivo, alguns inclusive que se tornaram DVDs ao vivo — além do já citado com o Criolo, teve também o de 10 anos e um documentário Netflix com bastidores de um show no Theatro Municipal de São Paulo que conta principalmente com as músicas do seu último disco AmarElo — e produtos relacionados a sua própria marca a LAB FANTASMA.

Ao longo de todo esse processo, foram inúmeras outras situações, dentro e fora da música, impressionaram aqueles que acompanham seu trabalho: quando demonstrou sua habilidade com freestyle “competindo” com um processador, sua entrevista ao Roda Viva, o DVD com Criolo, o desfile no SPFW, a live durante a pandemia, aulas em Coimbra, o livro para o público infantil, dentre inúmeras outras situações.

E eu poderia escrever sem parar sobre inúmeras vezes que Emicida me salvou sendo a voz que trazia um conselho ou quando me inspirou a continuar a escrever sobre o rap e a música nacional.

Talvez uma das situações que mereça ser citada foi quando, nos piores momentos da escrita da minha dissertação de mestrado, me vendo pouco inspirado, desmotivado, o lançamento do disco Sobre Crianças me deu o impulso necessário para passar por aquela etapa da produção. Me lembro como ontem a primeira vez que ouvi o disco, na madruga, logo quando lançou, e como no dia seguinte aquelas músicas tinha me deixado impactado, de uma maneira positiva. Inclusive, na epígrafe da minha dissertação eu coloquei uma das frases do disco:

“Eu me refaço após cada passo igual reflexo nas poças”

Sendo assim, espero que ainda tenham muitos momentos como esse, onde a arte e as palavras do Leandro continuem a nos inspirar. Fica então o meu parabéns pelos 37 anos, em nome da equipe da Flagra.

Obrigado, Emicida!

Créditos

Autor: Kleber Briz

Revisão: Mateus Moura

Fotos: Julia Rodrigues

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