Alee firma sua posição como um dos rappers mais autênticos da nova geração.

Em meio aos obstáculos impostos por empresários que retardaram seu progresso, Alee encontrou na sua distinta criatividade uma via para tecer sua história de libertação e renascimento. Esses desafios o levaram a apresentar uma sequência vibrante de ritmos, elevando os padrões comerciais do rap nacional com “Dias Antes do Caos”, um disco audacioso e excêntrico que é habilmente conduzido por Alee.

Extravasando todo o ódio

Antes de tudo, precisamos entender de onde vem o ódio que movimenta a tensão caótica descarregada nesse álbum. Desde o meio do ano passado, Alee, Jovem Dex e Brandão85, três talentosos jovens representantes do nordeste que se tornaram grandes amigos, enfrentam uma crise com os sócios-fundadores da Hash Produções. Em uma série de publicações nas redes sociais, os rappers expressam frustrações quanto a má gestão de suas carreiras. 

Apesar dos obstáculos, os artistas  avançaram bastante no processo de desligamento da produtora, porém a Hash persiste em bloquear seus novos lançamentos e reter os royalties, exigindo retorno sobre os investimentos feitos em seus trabalhos. Por esse motivo que o próprio Dias Antes do Caos ficou algumas semanas fora do ar em algumas plataformas digitais, Alee publicou em suas redes que os ex empresários alegaram que a capa do álbum foi feita por eles.

Felizmente, a NADAMAL Records, nova gravadora de Alee, vem dando o suporte necessário, e após o álbum ser derrubado do Spotify, a NADAMAL declarou que vem lidando com inúmeras atitudes de má fé destinadas a prejudicar o artista, e tomou todas as medidas judiciais cabíveis para solucionar o problema. Graças a isso hoje você pode ouvir tranquilamente o álbum completo em qualquer plataforma digital.

Isso tudo gerou muito sentimento de frustração e ódio que são expressados com firmeza no disco, Não é à toa que algumas faixas como por exemplo “FALIDOS” que é praticamente uma diss para a Hash e o verso do Dex em “GLOCK DE COR” contém linhas de ataques direcionada aos gestores da antiga gravadora.

Ta-tava eu na paz de alma
Hash vai tomar na bunda
Tenho que manter minha calma

Alee, “FALIDOS”

Ele travou meus royalties, ele é falido
Precisa de grana, ele só anda liso (Hahaha)

Jovem Dex, “GLOCK DE COR

Onde mora sua essência

Na última década, o Cloud Rap conquistou crescente apreço popular, combinando elementos fascinantes como a versatilidade e ritmo acelerado do trap, a atmosfera psicodélica e relaxante do lo-fi, além da linguagem jovial da internet e a abordagem lírica de temas cotidianos, como sexo, drogas e emoções tumultuadas. Estes aspectos ressoam com a juventude, frequentemente debatidos nas redes sociais.

Através dessa temática, somos transportados para outra dimensão por meio da vibe, na qual poucos conseguem realizar essa façanha com eficiência como Alee, que com muita naturalidade, transita entre o cloud rap, o drill, o trap e o R&B de forma fluida, através de uma sequência nada previsível e bela de flutuar sobre as batidas com flows diferenciados, variando a cadência inesperadamente, aplicando ad-libs onde poucos saberiam encaixar, usando e intercalando diferentes padrões de rima e pontuando refrões sustentados por melodias viciantes, todos esses recursos rítmicos se combinando na medida certa.

Assim ele estabelece uma atmosfera sonora muito agradável, aprimorando em momentos oportunos de profundidade, com versos que revelam construções bem elaboradas, dependendo da proposta de cada faixa. 

Foda-se os playboy
faço essa pros menorzin’ que tão lá no pico
Que os meu versos toquem corações
Que o menor reflita, que largue todos bico

Alee, “FIM”

Toda a última faixa, por exemplo, desabafa suas dores e lamentos como um jovem negro que cresceu nas periferias da Bahia. Liricamente, a faixa é muito bem executada, preservando seu estilo rítmico com rimas que preenchem bem os compassos, nos fazendo imaginar como seria se Alee resolvesse criar um album inteiro nessa pegada, um álbum de trap real, já que fica parecendo que ele tem muita vivência guardada pra ser rimada. 

Então mesmo que apresente algumas linhas profundas, é evidente que escolhe abrir mão da substância para priorizar a estética que ele carrega com sua musicalidade, resultando em um produto perfeito para um público que é menos criterioso com a profundidade da lírica e prefere consumir o estilo de vida, carregado de ostentação e egotrip. 

O cerne dessa questão reside no equilíbrio entre ritmo e poesia. Para o fã médio de trap, acostumado com produções padronizadas, este álbum é uma verdadeira obra-prima. No entanto, para um público mais exigente, que prefere trabalhos autorais com conceitos bem definidos, o destaque pode ser a performance rítmica de Alee. Já para aqueles que sabem apreciar uma variedade de estilos, ouvir “Dias Antes do Caos” de ponta a ponta é uma experiência prazerosa, sem ressalvas.

Influências e participações

Todo esse tato musical do Alee também pode ser influência direta de sua família repleta de músicos, incluindo os seus pais e seu tio, o cantor Denny, que por muitos anos fez parte do icônico grupo Timbalada, junto a Carlinhos Brown. Assim como também pelos anos de trocas de experiências e aprendizado com amigos e ex-parceiros de gravadora, Dex e Brandão, que também entregam muita originalidade, e como dito por Alee na faixa “FIM”, os três dão aula de flow.

Tava eu e meu mano B
o meu mano D
Nós dá aula de flow
Decisivo, nunca perdi um gol

Alee, “FIM”

Além disso, o disco possui outros elementos que contribuem ainda mais para a qualidade que esse projeto precisa, como as produções que são sensacionais, realizadas por uma equipe de diversos talentos como Nagalli, Rocco, Saboya, Dexter, Necklace, OG Bahia, Peppnx, Del Jay, Qualywav1, Tchuco e Dallas, este último responsável pela mixagem que nos imerge muito bem nesses sons. 

Todas as batidas sustentam muito bem o estilo de rimas de Alee e servem como uma excelente base para os participantes L7nnon, Jovem Dex e Klisman, que agregam positivamente às faixas em que estão presentes.

Existem dois momentos no álbum em que ocorre uma virada no meio da faixa, como se fossem duas músicas dentro de uma só, e isso acontece nas faixas “MOVIBE” e “FIM”. Elas transitam de uma pegada inicialmente mais melódica para uma mais agressiva, tanto na letra quanto no flow. 

Essa mudança de tom também pode ser observada na faixa “SURF”, mesmo que ela tenha leves alterações na batida. Esses recursos rítmicos espalhados pelo album parecem ter sido calculados para reforçar ainda mais a ideia de caos, ao quebrar e reformular os padrões de uma música no meio dela sem você ao menos esperar. 

O mais interessante é que essa transição funciona muito bem e é ótima de se ouvir. Um fato curioso, é que quem faz bom uso desse recurso de mudar a batida no meio de uma música é o Travis Scott, e as similaridades não param por aí.

Lá em 2014, Travis lançou nas redes o que ele chamou de “álbum gratuito”, o elogiado “Days Before Rodeo”, que podemos traduzir para “Dias Antes do Rodeio”. Neste projeto, ele preparava seu público para o lançamento oficial do álbum “Rodeo” em 2015. É muito provável que Alee tenha se inspirado nessa estratégia ao lançar “Dias Antes do Caos”, possivelmente planejando depois um álbum intitulado “Caos Trap”. Tem um trecho do album em que isso fica evidente: 

Ai, isso não é nem tudo que eu tenho ainda pra dizer mano
Isso daqui é só o “Dias Antes do Caos”
O real tá chegando, tá mermo (Ahn)

    Alee, “FIM”

    Cada vez mais iluminado

    Ao unir suas linhas envolventes com batidas excepcionais e flows autênticos em seu primeiro álbum de estúdio, Alee se projeta como um dos jovens rappers mais criativos de sua geração neste cenário comercial do rap nacional e dá início a uma nova fase de sua carreira.

    Logo, para além do simples entretenimento vazio que álbuns com essa proposta mais leve sempre entregam, “Dias Antes do Caos” é um bom resumo desse momento conturbado de sua vida, na qual compreendemos suas revoltas e sonhos, como também os atrasos e os progressos convergindo constantemente no decorrer das faixas, sendo tudo isso sustentado por um talento que provavelmente brilhará cada vez mais ao entregar tudo aquilo que tem sido raro ultimamente entre os artistas de sua idade, que é a fluidez, a autenticidade e uma criatividade admirável.

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