Em entrevista, o “Destruidor do Funk” conta detalhes da sua participação na música it’s dark and hell is hot
A aparição do nome do carioca Ramon Henrique Fernandes, o DJ RaMeMes, entre os produtores creditados em uma das faixas do disco I LAY DOWN MY LIFE FOR YOU do rapper JPEGMAFIA, lançado no início do mês de agosto, surpreendeu a todos, incluindo o próprio DJ. Em entrevista, RaMeMes revela que só escutou a música que ajudou a produzir pela primeira vez na madrugada do seu lançamento.
A música mencionada, intitulada its dark and hell is hot, é a terceira faixa do álbum. Uma montagem de Funk a 170 bpm que tem suas bases fincadas em uma outra produção de RaMeMes, chamada Upa Upa Pocotó, lançada em 2023. A música não apresenta somente um sample ou um trecho da versão original, mas a própria música original sendo executada com algumas adições na produção feitas por Peggy, além dos vocais e versos do rapper por cima do instrumental.
O carioca explica que JPEGMAFIA havia entrado em contato anteriormente com a sua assessoria pedindo permissão para utilizar uma de suas produções, mas confessa que, por ingenuidade, não ter tomado consciência das proporções. “Falar a real, eu nem conhecia ele. Ele me seguiu no Instagram, mas como eu não o conhecia, eu falei: ‘vou seguir de volta para ser humilde’ e deixei quieto”, brinca o DJ.
Os caminhos que levaram JPEGMAFIA até a música de RaMemes são misteriosos até mesmo para o DJ. Porém, o jovem de Volta Redonda tem uma suposição. “Tem um álbum meu chamado Sem Limites, ele saiu pela QTV, que é o selo da minha assessora. Os gringos gostam muito desse selo. E (o álbum) chegou no Fantano, né? Eu tenho a teoria que o youtuber Fantano fez o vídeo falando sobre o meu álbum, o JPEGMAFIA (provavelmente) viu e gostou do álbum. Ele pegou uma dessas músicas do álbum e usou na música dele”.
“As pessoas falam que ele me sampleou, mas se fosse sample não seria a música toda. Por isso, eu estou creditado como produtor. Ele rimou em cima da minha música”, conta RaMeMes, que elogiou a forma como o rapper se saiu no instrumental. “Foi um flow muito bom, nunca vi gringo rimar num beat de funk igual ele fez”.
Como foi esse contato com o JPEGMAFIA?
Falar a real, eu nem conhecia ele. Ele me seguiu no Instagram, mas como eu não o conhecia, eu falei: ‘vou seguir de volta para ser humilde’ e deixei quieto. Passou um tempo e a minha assessora passou a visão para mim: “Ó, não fala pra ninguém, mas o JPEGMAFIA vai usar uma das suas produções em uma música dele”. Aí eu falei: “ah, que maneiro”. Eu não sabia que ele era algo tão grande na cena.
Aí eu perguntei a uns amigos e eu tive umas aulas de JPEGMAFIA. E eu entendi que ele tinha a mesma visão da gente de ser experimental, de passar dos limites, de não se importar muito.
Como você vê esse momento do Funk saindo do Brasil e ganhando notoriedade lá fora?
Uma coisa que eu achei legal da parte do JPEGMAFIA, que já deu uma boa impressão, é que ele não fez igual os outros gringos fazem. Ele foi atrás da minha assessoria, ele foi falando com a minha assessoria certinho tudo que precisava. Em vez de ter feito igual o Kanye West que só pegou o sample botou na música dele. O DJ Roca só ficou sabendo na hora (que a música saiu).
Mas o negócio é eles darem crédito pra gente, porque é um bagulho da gente, um bagulho único. Se um gringo for fazer um Funk, ele precisa da ajuda de um brasileiro. Se eu for fazer um Funk de BH, eu preciso da ajuda de alguém de BH, porque o Funk é muito regional.
Querendo ou não, ainda tem gente que tem preconceito. Os gringos tendo esse momento de “olha estou usando o Funk”, a galera fala assim: “caraca, o Funk é realmente bolado”.
A gente está vivendo um momento em que o Rap e o Funk tem andado cada vez mais próximos. Você acha que esse é o futuro dos dois gêneros?
O Funk tem a sorte de funcionar com qualquer coisa que existe na cena musical. Você consegue fazer qualquer coisa misturada com Funk. Antigamente, a gente não tinha essa visão de que dava pra fazer toda essa mistura com o funk. O Funk combina com várias coisas e o rap também combina com várias coisas. Eu acho maneiro a galera rimando em cima de beat de Funk, igual já faziam há décadas atrás. Só que (na época) não sabiam que também estavam fazendo Rap.
Hoje, tendo em vista a existência de artistas como o DJ GL Sucessada, menino de 14 anos que faz músicas no seu Ipad, você acha que o Funk tem realmente esse poder de democratizar o acesso à cultura?
Antes eu não tinha essa visão. Eu tive essa visão depois de ter feito a música com a Pablo e a Anitta. Pra mim, eu só tava fazendo música na minha cozinha. Normalmente, a galera acha que tem que ter estúdio, tem que ter estrutura… mas não, se você tem a sua cabeça, os braços para produzir, se você tem a vontade, se você tem a sua ideia… Os “menózin” das comunidades fazem um milhão de músicas no notebookzinho deles no pior programa do mundo, mas que pra eles é o melhor. Os “menó” faz música que nem gravadora bate de visualizações, com a música que eles fizeram na sala de estar da casa deles. Esse é o poder do Funk.
O público LGBTQIA+ abraçou forte o seu trabalho, ao que você deve isso?
Eu gosto muito de música pop. E eu gosto muito de misturar funk com música pop. Já fazia isso antes da música da Pabllo e da Anitta. Mas quando essa música da Pabllo e da Anitta saiu, e essa galera foi conhecer meu trabalho, eles viram, “olha esse cara tem remix de Lady Gaga”, as pessoas foram no meu show e viram que eu tocava Beyoncé.
Uma parada que eu entendi sobre festa LGBT é que, por eu ser hetero, eu acabo tirando o espaço de uma pessoa LGBT da line. Eu pensei que isso não era legal. Aí falei : “vou criar um evento em que eu possa contratar a galera que eu acabo tirando”. Eu montei o Baile do RaMeMes nesse intuito. Junta mais gente do que eu tirei. Tem performance trans, tem DJ trans, tem todo mundo no mesmo evento.