O rapper Puterrier lançou o EP “Salseiro”, que conta com duas músicas, no último dia 15. O projeto busca representar a brasilidade imposta pelo artista em suas faixas. Para isso, Puterrier explorou gêneros diferentes do que seu público está acostumado: o pagodão baiano e o volt mix com bastante referência sonoras aos funks que tocavam nos bailes de corredor, populares no Rio de Janeiro, na década de 90.
Se as músicas fora do comum não bastassem, o anúncio também foi anormal. No dia 27 de janeiro, o artista publicou uma imagem, via Instagram, com os olhos marejados e afirmou que daria um tempo da música. Evidentemente, os amantes de Rap se assustaram, visto que Puterrier era uma estrela em ascensão e acabara de lançar “Marolento” — música que ultrapassou as 35 milhões de reproduções no Spotify.
“Empresário cobra números, fãs cobram um hit com a mesma ‘fórmula’ e o artista se vende tendo que entregar algo sem essência”, comentou no story. Tudo não passou de uma estratégia de marketing para o lançamento do projeto. No dia seguinte, Puterrier anunciou o lançamento de “Salseiro”, com “Garoto Problema” prevista para o dia 01 de fevereiro e “Faz o Esquenta” para o dia 15 de fevereiro.
Em conversa com a Equipe Flagra,o rapper revelou detalhes exclusivos sobre a produção das faixas e como foi se conectar com estilos fora de sua rotina. Além disso, Puterrier também falou sobre o início do Atabagrime, o verso de Ebony sobre ele em “Espero Que Entendam” e como surgiu a ideia do anúncio do projeto. Flagra!
Você assustou a todos quando anunciou que ia dar uma pausa na carreira e depois surpreendeu quando confirmou um novo projeto. O que você queria passar quando teve essa ideia?
Eu estava há um tempo sem lançar trabalho solo. Depois de “Marolento”, o meu próximo lançamento ficou com um peso maior. Como “Garoto Problema” é um “pagodão baiano”, eu decidi fazer algo diferente para divulgação. Eu aproveitei para falar da indústria musical, que está seguindo uma tendência. Por exemplo, o Veigh está fazendo música de um jeito. Vai ter um momento que todo mundo vai fazer igual ele. Se eu só aparecesse nos stories falando sobre isso, poderia soar como frustração ou as pessoas não iam dar atenção. Eu cortei cebola para poder chorar e não consegui (risos).
Foi um anúncio muito conturbado, né? A Rap Mais postou sobre sua suposta aposentadoria e muita gente comentou sobre. Foi um verdadeiro choque para seus fãs e para os amantes de Rap. Como que você ficou vendo seus fãs preocupados com você e sem poder falar que era apenas marketing? Como foi a reação dos seus amigos próximos?
Foi algo bem engraçado. Vários artistas mandaram mensagem e eu não podia falar nada. Eu vi várias pessoas falando que não aguentei o peso da fama, que lancei um hit e já desisti. Eu não podia responder, né. Eu fiquei de cara que meus amigos próximos não reconheceram que era marketing. Até o Orochi me mandou mensagem se solidarizando, falando que estava comigo para o que eu precisasse. Eu fiquei de cara! Logo o cara mais marketeiro caindo nessa (risos).
Foi a sua equipe ou você que teve essa ideia?
Fui eu mesmo! A minha equipe de marketing amassa, mas a ideia inteira foi ideia minha. Na real, foi um conjunto. Eu tive o projeto e a minha equipe foi me ajudando. Eu quero começar a testar uns bagulhos que envolvem marketing.
No anúncio você disse que “tem que entregar o que eles precisam e não o que eles querem”. O que seriam essas duas coisas especificamente?
As pessoas não sabem o que elas querem até elas ouvirem. Um exemplo, eu vejo muita gente acostumada a ouvir algo e estranha quando vai escutar algo que foge do comum. Eu acho que o artista precisa se testar para fazer algo diferente e não acostumar o público com um tipo de música apenas. Hoje em dia, se não tem auto tune, a pessoa já ‘olha diferente’. Se falar de outro assunto, já é estranho. Por isso, eu acho interessante trazer outras estéticas para que o público não se acomode com um estilo musical. A cena precisa de diversidade.
Algo que eu gosto muito do Atabagrime é que, como é um gênero seu criado com ao lado de alguns produtores, você consegue moldar ele da forma que você quer. Como você teve a ideia de misturar o Grime com o atabaque?
Eu era muito fã de Grime, mas sempre curti o baile Funk. Quando eu ia, eu cantava as letras de Grime nos beats de Funk e meus amigos gostaram muito. Foi aí que eu pensei em misturar isso e foi o que rolou em “Putaria 2000”. Logo que eu postei, os fãs ficaram surpresos e queriam entender o que era esse estilo. Foi eles que denominaram com Atabagrime, pela mistura do Grime com o atabaque, e eu peguei. Foi algo natural. Eu não tive a intenção de fazer um gênero, sendo que eu nem considero um gênero e, sim, uma maluquice mesmo (risos).
Do ponto de vista da produção, foi difícil misturar dois gêneros distintos?
Eu me considero um coprodutor porque eu não gosto de mexer no computador. Eu sei exatamente o que eu quero, mas não sei os termos técnicos. Foi algo difícil. O problema disso tudo é que as músicas podem ficar maneiras para mim, mas não para os meus fãs. Nós testamos diversas coisas antes de lançar. Foi mais fácil fazer as letras do que as batidas.
Como foi achar beatmakers para fechar nessa ideia?
Eu já produzia com o Biggie Diehl (produtor de Putaria 2000) e eu via uns beats de Grime do Beat do Ávila. Daí eu pensei em juntar os dois para ver no que dava. Com um dia de estúdio, eu percebi que tinha feito a escolha certa.
Esse projeto é uma forma de você mostrar que pode se adaptar para a diversidade musical do Brasil. Como foi o processo de descobrir novos gêneros e escolher a opção que melhor se encaixasse com seu ritmo?
Eu fiz diversas viagens para fazer show. Nas viagens, eu buscava ouvir o que tava bombando naquela região e eu descobri muita coisa diferente do que consumimos no Rio de Janeiro. Com isso, eu fui pesquisando e entrei em contato com O Kannalha, que estaria em “Garoto Problema”, mas a agenda não bateu. Se eu fizesse algo sem buscar entender o que é aquilo e o que representa, eu estaria só me apropriando. Eu queria somar com a cultura.
Existe alguma ideia para fazer feats com pessoas de outros estados, além do O Kannalha?
Eu não tenho feito feats nem com o pessoal do Rio de Janeiro, mas eu planejo fazer. Eu tô planejando com O Kannalha até agora. Esse ano eu quero fazer mais feats, tanto com o pessoal do Rio quanto de fora, principalmente com os de fora. Eu acho que é mais maneiro, mais interessante e soma mais do que fazer com os conhecidos.
Quais temas você ainda não explorou, mas tem intenção de desenvolver?
Tem dois: o romântico e minha infância. O romântico eu vou deixar mais para frente (risos). É meio clichê, mas ninguém viu esse lado meu. Não tenho nem inspiração para fazer músicas desse tipo ainda. Eu falo de muita coisa que me afeta, mas não de forma sentimental. Eu falo sobre coisas do cotidiano que me afetam, mas pouco sobre meus sentimentos.
E gêneros? Você tem vontade de experimentar algo novo, como o R&B e o Drill, por exemplo?
Po, Drill eu tô fora! Vagabundo do Brasil fudeu com o Drill e com o Detroit. Eu gosto muito de Drill, mas não me vejo fazendo. Quero fazer tudo, sem me limitar a nada. Vou fazer trap, R&B, Plug e por aí vai. Vai depender do que eu acredito e do que eu quero fazer para o meu ritmo. Por mais que eu tenha estourado, eu acho que ainda falta algumas escadas para eu fazer coisas diferentes e ir lançando.
Fora do Rap e do Funk, o que esta tocando no teu fone de ouvido? Quais são os sons que você curte e estão fora desse nicho?
Eu ouço muito Pagode, Afrobeat, Olodum. Do Afrobeat, eu gosto muito do Charly Black. De resto, é só Funk! Caralho, eu escuto muito Funk. Eu nem escuto muito MC’s (de Funk) porque prefiro ouvir DJ’s, sabe? Aqueles remixes de uma ou duas horas me inspiram.
Teve algum gênero que você deixou de fora de “Salseiro” por opção própria ou mercadológica?
Eu tava doido para lançar um Funk igual “Putaria 2000”. Eu queria muito lançar uma música pra baile, pra TikTok, sabe? Só que não casava com o momento. Seria mais desafiador fazer algo diferente do meu costume e eu queria me desafiar. O foda é que eu queria lançar a mesma coisa também (risos), mas eu preferi o desafio.
Vamos fugir um pouco do Atabagrime. A Ebony lançou uma diss para a cena do Rap nacional, sobretudo aos artistas masculinos, e você estava incluído. O verso foi o seguinte:” Puterrier falando pra caralho que tem um fetiche/ O meu é bofe igual a ele com cara de kit”. Como você recebeu esse ataque?
Eu não ligo para esses bagulhos. Não me importei com ela me chamando de kit*. Muita gente achou problemático, mas eu achei suave. Eu não tenho opinião sobre isso. Ela também falou coisas sobre mim e eu acho que foi um verso para soar como hipocrisia.
* Kit é uma gíria do Rio de Janeiro para chamar alguém de gay.
Como assim hipocrisia?
Hipocrisia, né? Ela disse que eu tenho fetiches, mas ela ama um branquinho também. Foi uma dualidade que fez com que eu não ligasse tanto. A minha produção e meus amigos ficaram bem estressados, mas eu não liguei. Fiquei até honrado de estar nessa diss importante demais para o Rap.
Sabemos que o Rap ainda é bem preconceituoso e é visível que grande parte do seu público integra a comunidade LGBTQIA+. Como é a sua relação com seus fãs LGBTQIA+?
Meu público LGBT é muito forte. Eu já fiz show em umas três boates gays e é aquele pique! Eu percebo que eles têm certo receio de me dar um abraço por eu ser hétero, já que é comum rappers héteros serem homofóbicos.Eles acham que vou ser escroto, talvez, mas não, po! Isso era muito no início, mas agora o pessoal já se acostumou com meu jeito. Eu nem sei falar muito sobre isso porque é algo natural meu.
Essa discriminação não se limita somente ao público LGBTQIA+. Cada vez mais há casos de misoginia, agressão às mulheres e até mesmo falta de pagamento de pensão envolvendo nomes do Rap Nacional. E muita das vezes, os rappers responsáveis por esses casos pregam algo completamente diferente nas músicas. Como é pra você estar em um mercado que, infelizmente, ainda é predominantemente machista e hipócrita?
Fora da música, [o mundo] é sujo. Logo, a cena é um reflexo da realidade. São muitos artistas homens que recebem atenção e eles precisam ter ciência que é necessário seguir um fundamento. Muitas vezes, eles só fazem a parada e não seguem os ‘mandamentos do Rap’. Ninguém é pai ou mãe de ninguém, mas eles são exemplos. Eu tenho muito fã criança e meio que eu sou um espelho para os mais novos. Os pequenos não podem se espelhar na merda.
Foto de capa: Guilherme Vespa
Confira o novo EP “Salseiro”, de Puterrier: