O rapper carioca Tárcis, lançou em abril de 2020, o seu mais novo EP. “Cyberyorubá 10062” é um compilado de músicas com referências bem permeáveis da cultura afro, que se dão desde a títulos como “Corpo Fechado”, “Cyberyorubá” (faixa-título) e “Erê”, e até mesmo “Forrest Gump”, canção que homenageia o premiado filme do diretor Robert Zemeckis.
Gume do infinito é azeite dendê
Me diz agora quem vai te defender
Avisei, não adianta se esconder
Preto que voa, eles na noite, eles não podem me ver
Não se assuste, trouxe batuque
Pra te defender
Com as forças de Ogun Xoroquê
“Forrest Gump”, Tárcis
Bem como, a arte que acompanha o disco, criada pelo desenhista e amigo do rapper, Ronne Peterson Jr. Nela, nasce o corpo receptor das sonoridades bem trabalhadas e escaladas em ordem que o ouvinte vai entendendo o porquê, e logo se joga na brincadeira de início em peso e propriedade e finalidade em dança e distração, a partir da “House de um Futuro Perdido”.
O futurismo se integra ao projeto como norteamento das discussões geradas nas letras, nas artes, e na forma com que Tárcis vocaliza as entidades, em ação de dar visibilidade ao povo preto de religiões de matriz africana, que ainda são objetificados por conta do preconceito e história de perseguição. Para isso, dou lugar à quem entende desses embates, e que, com criatividade mescla o rap à ancestralidade. Confira a entrevista completa:
Tivemos um trabalho seu, em setembro de 2019, intitulado “Canções que Fiz Pra Você” e, logo depois, no outro ano, em meio à pandemia, você lança “Cyberyorubá 10062”. Este mais recente projeto, nasceu durante esse momento de pandemia, ou você já vinha arquitetando-o ao longo dos últimos meses? Conte-nos sobre o processo de produção e composição.
R: O nome “Cyberyorubá” surgiu de um comentário de um inscrito no canal do Brasil Grime show que intitulou meu flow como cyberyorubá e eu acabei gostando desse nome e bolei o conceito a partir disso, o “10062” é referente a contagem a contagem dos anos pelos Yorubás que se refere a 2019/2020 que foi o ano do lançamento. Fazer o ep foi muito gostoso e leve ao mesmo tempo porque é um tema que eu gosto na verdade é o tema da minha vida, então pra mim foi super divertido escrever gravar, o Luna é um cara que está acostumado com meu jeito de trabalhar de pensar e isso tornou tudo muito mais simples.
Como se deu a decisão de trabalhar o futurismo e a ancestralidade juntos? Palavras que parecem ser contrárias, dito os significados, mas que não se diferem entre as questões enquanto artista negro, reconhecido, num país que ainda não é antirracista.
R: É aí que mora o mistério, a base desse trabalho é o orixá Ogun que é o deus do ferro e do fogo, sendo assim também o patrono da tecnologia e sendo filho dele eu tive esse feeling para os avanços tecnológicos da música, usando tambores digitais e batidas que fazem com que o ouvinte se sinta em um filme de sci-fi. A nossa juventude estava precisando dessa voz, mesmo já tendo grandes artistas trazendo em suas letras as questões religiosas acredito que eu abri esse diálogo nos dias de hoje é super importante também, visto que muitos irmãos de axé ainda são atacados por professar sua fé.
O que definiu a ordem da tracklist para você? E explique-nos um pouco, o processo dessa decisão, que é tão importante para a composição da obra.
R:: A minha intenção é humanizar o nosso personagem, trazendo ele pra nossa realidade, onde tem a chegada dele na terra, o contato com as influências do Orun na terra, o contato com os prazeres da carne e por fim a sensação de vitória que todo preto almeja.
A concepção da arte da capa foi criada em conjunto com seu amigo, Ronne Peterson JR. Por quê a escolha do trabalho/traço dele, e em quê, a relação de amizade entre vocês, colaborou para a criação do corpo de Cyberyorubá?
R: O Ronne é um artista brilhante e eu sou super apaixonado pela arte dele, mas o que determinou a escolha dele não foi só o laço de amizade e o talento dele, o ponto chave é que ele também é do axé, então isso facilitou muito o entendimento do conceito da capa e a importância desse trabalho, se tornou mais leve, não só por se tratar da música mas pelo peso cultural que ele tem.
Quais são as suas referências musicais? Algumas delas, entraram como inspiração desse EP? Quais?
R: Minha maior referência Musical é o Zeca Pagodinho, meus amigos da Covil, Maria Bethânia e o Emicida, mas pra esse trabalho eu ouvi bastante artistas que abordam o tema com a Mc Tha, Thiago el niño, Xênia França e a Luedji Luna que são artistas simplesmente incríveis e trazem em sua arte esse toque ancestral, eles foram o meu norte pra eu saber exatamente onde queria chegar, o que produzir e chegar em um resultado satisfatório.
A numeração ‘10062’ que acompanha o título do EP, é referente à contagem dos anos segundo os povos yorubás. Como dito, 2020 é o 10.062º ano dos registros de tempo destes povos. O que você espera desse ano, para a sua carreira, visto que, têm sido um ano difícil até agora para os músicos de todo o mundo?
R: 2020 de fato está sendo um ano complicado, mas por outro lado tem sido bastante satisfatório pra mim por incrível que pareça apesar de não estar fazendo shows, eu me sinto até mais próximo dos meus fãs, podendo acompanhar com calma o que eles estão achando dos trabalhos e tbm pensando em algumas estratégias pra quando tudo se acalmar poder cantar pra eles, já bolei milhares de performances inclusive
Qual a mensagem que você deixa aos seus fãs?
R: Primeiro agradecer pelo carinho, paciência, as mensagens os retornos negativos a respeito de qualquer produção, e pedir que eles se cuidem, não só da parte física mas da parte espiritual, se agarrar na sua fé nesse momento é muito importante para evitar um mal maior, e que eu to fazendo o possível para entregar dentro da nossa realidade o meu melhor.