Com algumas falhas, BK conseguiu entregar um belo álbum para seus fãs

Nos últimos anos, samplear Música Popular Brasileira se mostrou um desafio gigantesco dentro do rap nacional, tanto pela burocracia imposta por editoras quanto pelas divisões abusivas de fonogramas cobradas pela equipe de grandes artistas ou seus herdeiros. Casos como o de Djonga, que precisou retirar “Eterno” do ar devido a questões autorais envolvendo Tim Maia, são exemplos de como essa prática ainda é tratada como tabu no Brasil. 

Os samples criam uma atmosfera rica e emotiva, mas a sensação que fica é a de que o rapper não explorou todo o potencial criativo que essa base sonora poderia proporcionar.

Nesse cenário, o fato de BK ter conseguido construir seu quinto álbum, Diamante, Lágrimas e Rostos para Esquecer, inteiramente baseado em samples de MPB já é, por si só, uma conquista impressionante. Além de obter autorização para usar e homenagear clássicos de Evinha, Djavan, Fat Family, Trio Mocotó e Milton Nascimento, ele entregou um projeto musicalmente coeso e bem amarrado com belas produções do duo de DJs Deekapz, Kolo, Paulo DK, Kizzy e Ruxn, Sango e Aidan Carroll, Theo Zagrae, JXNV$ e Nansy Silvvz.

Capa de Diamante, Lágrimas e Rostos para Esquecer (Foto: Bruna Sussekind)

“Mano, nem tudo são flores”

Porém, a grandiosidade da proposta não se reflete com a mesma força na execução. O lirismo de BK permanece em sua zona de conforto, orbitando entre egotrip e reflexões sobre suas vivências, com um foco grande em deixar para trás o que impede seu crescimento e em saber se portar como um líder ambicioso, centrado em seus objetivos.

(Foto: Bruna Sussekind)

Embora essa abordagem tenha um apelo narrativo forte, marcado pelo tom filosófico e por alegorias bem trabalhadas, ela não traz um frescor significativo em relação aos seus trabalhos anteriores. BK segue explorando os mesmos caminhos líricos, o que acaba gerando um sentimento de repetição, tanto dentro do álbum quanto em sua discografia. Os samples criam uma atmosfera rica e emotiva, mas a sensação que fica é a de que o rapper não explorou todo o potencial criativo que essa base sonora poderia proporcionar.

Esse problema se agrava ainda mais nas faixas românticas, onde BK adota um tom mais comercial e acessível, como se estivesse rimando para um novo Poesia Acústica. Não se trata da obrigação de ser ultra técnico ou metafórico ao falar sobre amor e desilusões, mas quando referências grandiosas da MPB estão pontuando a produção, o contraste entre a profundidade dos samples e a simplicidade das letras se torna ainda mais evidente.

Quando BK acerta na variação rítmica e na poesia, ele se conecta diretamente com o ouvinte, provando que sua força ainda está na forma como conduz suas rimas e entrega suas ideias com musicalidade impecável.

O resultado é um álbum que, em muitos momentos, lembra um livro com uma capa belíssima e uma proposta instigante, mas cujo conteúdo nem sempre alcança o mesmo nível de profundidade. Ainda assim, há momentos em que a harmonia entre produção e composição se destaca, e é nesses instantes que BK revela seu melhor.

“Verdadeiros motivos, 
verdade no que eu rimo
Pra não falar demais fazendo o mínimo
Nunca te tratar como algoritmo,
tratar como algo único
Algo pra mudar meu ritmo, 
algo que preencha o fundo
É que ainda somos escravos, 
olhe ao redor, tudo é desgraça
Olhe ao redor, tudo sai caro, 
sofrimento ainda é de graça”
— BK, “Abaixo das Nuvens”

Faixas como “Abaixo das Nuvens” exemplificam essa qualidade pontual. Em seu verso afiado, BK reflete sobre a importância da integridade artística e a necessidade de manter os pés no chão. Embora essa temática seja recorrente em sua trajetória, aqui, a precisão da cadência e o peso das palavras renovam o impacto de sua mensagem. 

(Foto: Bruna Sussekind)

“Com algumas falhas, eu consegui”

Quando BK acerta na variação rítmica e na poesia, ele se conecta diretamente com o ouvinte, provando que sua força ainda está na forma como conduz suas rimas e entrega suas ideias com musicalidade impecável. Esse nível de excelência poderia ter se estendido por todo o álbum, incluindo até mesmo as love songs.

Portanto, ao equilibrar sua presença como protagonista e a reverência aos samples, BK parece ter se colocado em uma encruzilhada criativa, possivelmente enfrentando desafios nesse processo. O álbum se sustenta com uma boa base musical, com participações belíssimas de Fye, Pretinho da Serrinha, Maui, Borges, Melly, Jenni Rocha, Luciana Mello e Luedji Luna, mas, na composição, o próprio BK soa menos orgânico.

(Foto: Bruna Sussekind)

Para quem prioriza a experiência sonora e consegue relevar algumas redundâncias líricas, ou seja, seus fãs mais fiéis, “DLRE” pode soar como um projeto impecável. Mas para os ouvintes mais atentos às rimas, os 52 minutos do álbum podem se arrastar, fazendo parecer que a ambição da proposta acabou superando o impacto real da execução.

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