“Beat é a única coisa que me identifico”: Attlanta fala sobre ‘Futuro’

Vimos nos últimos anos um dos novos epicentros do rap no Brasil surgir em Minas Gerais. Junto com o processo de descentralização do gênero no país, o estado despontou com uma leva de nomes que estabeleceram seu nome no cenário. Nomes como o do grupo DV Tribo, de onde surgiram Djonga, Hot & Oreia, Clara Lima, além de vários outros que também apareceram no mesmo período, como FBC. E quem ouviu seu segundo álbum se deparou na faixa “THC,” além da voz inconfundível de Luccas Carlos, um som muito popular e típico da nossa época. O trap tomou o cenário e vem sendo cada vez mais difundindo no universo pop. É aí onde emerge nossa personagem.

Respeita Attlanta no beat!

Luiza Porto, a Attlanta, é filha dessa geração que nasceu em meio à dominação da música eletrônica. Mais recentemente, o trap tomou o cenário pop, impulsionada pelo mercado estadunidense, e parece que chegou para se firmar em solo nacional. Para ela, o estilo tem ainda um papel importante na visibilidade dos produtores.

O trap tem uma história importante na valorização dos beatmakers como artistas também. Ao meu ver, foi minha maior inspiração ao ver música sendo feita longe de grandes estúdios de gravadoras enormes.

Isso se dá por uma certa democratização em se produzir música pelo computador, através de softwares, sem grandes estudos em escolas de música, que ainda são restritas, e uma grande comunidade que se criou através de tal, e um relativo valor a ser investido a se adquirir equipamentos, cada vez mais robustos e baratos. Os computadores também trouxeram outra forma de se comercializar e consumir música.

Outro desafio é ser uma mulher em um ambiente masculinizado. Para ela, o problema é ainda anterior, e diz mais sobre a construção da sociedade, e não exclusivamente ao rap.

Menos de 3% das profissionais [da música] são mulheres. Na minha opinião, o machismo nesse caso é sobre subestimação.

Como estilo, muito tem se discutido sobre a relevância e qualidade do trap no país. Isso se dá, de qualquer forma, pela difusão do estilo aqui, seja na música, na moda ou na linguagem. Attlanta enxerga uma certa individualidade e autenticidade no que é feito por aqui, principalmente no que diz respeito às mulheres.

Vejo personalidade de verdade mesmo no trap nacional feminino, ouço diariamente Capitu, Slipmami, Baby Girl Trap, por exemplo, porque a sonoridade e a estética do som me agradam tanto quanto ouvir trap de lá [dos EUA].

De Atlanta a Belo Horizonte

Sendo o trap sua inspiração e base, é em grandes nomes dos EUA que ela criou seu apreço. Em entrevista à Rolling Stone Brasil, ela disse que se norteia, entre outros, em Zaytoven, que já produziu para popstars como Migos, Travis Scott & Lil Uzi Vert.

Eu não tenho como fugir do que me levou a fazer música, o trap tem uma história importante na valorização dos beatmakers como artistas também, ao meu ver, foi minha maior inspiração ao ver música sendo feita longe de grandes estúdios de gravadoras enormes.

Mas não é somente no trap que Attlanta encontra sua musicalidade. Em parceria com artistas como Alt Niss, ela expõe que o R&B nacional também tem seus representantes à altura. É nisso que é construído seu primeiro álbum.

Futuro

Com nove faixas e 13 participações, Attlanta trouxe em seu primeiro álbum a diversidade e qualidade que nos acostumamos a ouvir em território brasileiro. Além das já citadas, o trabalho conta ainda com Tivityn, Ashira, Scarlett Wolf, DaLua, entre outros, e foi lançado no final de março.

[Todas as] participações [são] de artistas que queria trabalhar, porque me identifico, acho que meu estilo de produção combina com a estética deles.

O título sugestivo e pretensioso busca apontar caminhos os quais a produtora acredita que seguirá o rap nacional. É possível corroborar com sua ideia quando temos conhecimento de seu conteúdo e monitoramos o cenário local.

A estética do projeto envolve também uma espiritualidade, uma busca por conexão. Uma expressão que se apresenta artisticamente, que busca traçar a proximidade também com a vida. Futuro é um conceito muito forte na minha vida, a arte de prever o futuro principalmente pelo baralho cigano é ancestral e eu quis adicionar um pouco do que sei fazer dentro disso.

“Só eu que já tô imaginando o Vol. 2?” (Foto: Reprodução/Instagram)

A ambição da cantora não para aqui. Ela já projeta uma sequência com diversos outros nomes, a qual já intitula de Futuro II. “Já estou no processo de execução da próxima mixtape,” afirma, em um processo parecido com seu primeiro trabalho. Aqui já podemos notar uma identidade e confiança no projeto. Dessa forma, já podemos esperar algo, no mínimo, interessante por vir.

Confira abaixo a entrevista completa com Attlanta:


Como um bom álbum de produtor, ‘Futuro’ traz diversas participações, passando por variados estilos e personalidades. Como foi o processo desse trabalho? Como conseguiu reunir esse pessoal e tocar o projeto?

[Attlanta] A mixtape tem 13 participações. Todas elas participações de artistas que queria trabalhar, porque me identifico, acho que meu estilo de produção combina com a estética deles. Decidi que ia reunir esses projetos numa mixtape a partir da música com a Alt Niss, quando fiz o beat numa pegada bem anos 2000 e decidi que ia reunir meus últimos beats e convidar artistas de universos diferentes pra somar também à minha versatilidade de produção.

No rap nacional, os produtores não têm tanto destaque quanto os MCs, muitas vezes os fãs nem conhecem quem são os responsáveis pela produção. Somado a isso, as mulheres têm uma visibilidade menor, ainda mais quando falamos da produção. Para você, quais são os motivos por trás disso? Quais os desafios como mulher e produtora neste espaço na música? E o que poderia contribuir para uma melhora destes problemas?

[A] Quem me dera se isso fosse uma barreia a superar apenas do rap nacional, mas na indústria do áudio e da produção musical como um todo, menos de 3% das profissionais são mulheres. Na minha opinião, o machismo nesse caso é sobre subestimação. Não acreditam que uma mulher possa fazer um trabalho técnico tão bem quanto eles.

Você disse em entrevista à Rolling Stone que suas referências vão de nomes antigos como o consagrado Scott Storch ao fenômeno do trap, Zaytoven. Sua produção procura esse meio estabelecido e popular do rap, como é o trap ultimamente—a ver pelo seu nome artístico—, estilo dominante nos EUA? Acredita que se possa alcançar um patamar, guardada as proporções, por aqui?

[A] Eu não tenho como fugir do que me levou a fazer música, o trap tem uma história importante na valorização dos beatmakers como artistas também, ao meu ver, foi minha maior inspiração ao ver música sendo feita longe de grandes estúdios de gravadoras enormes. Ouvir uma tag do Trapaholics numa mixtape me dava vontade de fazer música no meu próprio quarto. Quanto a cena daqui, acho diferente. Não temos a mesma história de Atlanta. Acho que só alcançaríamos o mesmo patamar se nós olhássemos com mais verdade pra quem está na indústria. O Brasil tem mais artistas de verdade no underground do que no mainstream.

Você enxerga personalidade no trap nacional? O que de único você busca em sua musicalidade? O que vê em si que seja relevante para uma construção desse estilo?

[A] Vejo personalidade de verdade mesmo no trap nacional feminino, ouço diariamente Capitu, Slipmami, Baby Girl Trap, por exemplo, porque a sonoridade e a estética do som me agradam tanto quanto ouvir trap de lá. Eu não busco nada de único, faço beat porque é a única coisa que me identifico realmente, consigo construir uma piscina pra outro artista, outro universo, nadar e expor sua alma. Não existe nada mais intenso do que o que pode resultar desses tipos de conexão.


Não é comum que produtores aqui no Brasil organizem discos como o seu, mas é algo que parece que vem se tornando algo cada vez mais comum. Inclusive, alguns destes discos tem se destacado na cena, como é o caso de ‘Futuro.’ Como tem sido a recepção do seu primeiro disco? Você pretende continuar a produzir trabalhos como esse?

[A] A repercussão foi muito maior do que eu esperava. As pessoas estão desacostumadas com projetos de nove músicas. Principalmente um projeto de um produtor. Estamos todos numa era de singles e pensei várias vezes como seria essa repercussão de nove músicas de uma vez sem clipe. Muito feliz desse projeto ter me levado a novos artistas incríveis que não estão no mainstream e acho importante continuar. Já estou no processo de execução da próxima mixtape, FUTURO II, outras 9 músicas com artistas que eu acredito serem o futuro da cena nacional.

Quem te acompanha nas redes sociais e os trabalhos que vocês está envolvida, percebe uma preocupação estética da sua parte. E qual foi a ideia por trás de toda essa simbologia apresentada? Por que batizá-lo de ‘Futuro’? Afrooninja (@afrooninj) e Bob Bastos (@bob.bastos) foram os responsáveis pela arte de capa e das músicas, que lembram cartas de tarô, de onde surgiu esta ideia?

[A] FUTURO é um conceito muito forte na minha vida, a arte de prever o futuro principalmente pelo baralho cigano é ancestral e eu quis adicionar um pouco do que sei fazer dentro disso. Cada artista escolheu uma carta do baralho, que representa um símbolo do futuro. Na primeira música por exemplo, o DaLua representa a carta “A Nuvem”, enquanto na sexta música o Tivityn escolheu “A Torre”, por exemplo.

O que podemos esperar agora depois do lançamento deste álbum? Com quem tem trabalhado e com quem gostaria de trabalhar? Podemos esperar novas músicas ainda esse ano?

[A] Claro que sim! Tenho trabalhado com vários artistas, em breve vocês podem esperar lançamentos com a Lay, com o Guhhl, com a Mc Taya, Afreekassia e Iza Sabino. Além das próximas mixtapes. Posto bastante do meu processo de criação diário no Instagram, então fica fácil pra quem gosta de acompanhar.

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