Entre o real e o comercial: arte, identidade e mercado

“O mainstream representa cultura popular, dominante e de acesso fácil
Geralmente promovida por grandes meios de comunicação e empresas
Já por outro lado o underground refere-se a um espaço mais nichado, alternativo, independente
E que pode não ter o mesmo alcance e reconhecimento comercial que do mainstream”

Recentemente, voltou à tona, nas redes sociais, o debate sobre a importância do underground (ou marginal, periférico, independente) no mercado da arte como fonte de pesquisa para a existência e sobrevivência do mainstream (hegemônico, institucionalizado, comercial). Para quem vive a rua e a cultura que nela transborda, é fácil perceber todo o processo de absorção, esvaziamento e adequação ao fluxo industrial de manifestações artísticas que, muitas vezes, nascem da necessidade de expressar os efeitos colaterais produzidos pela própria sociedade e pela forma como ela se organiza, muitas vezes em desacordo com a estrutura do próprio mercado.

Esse tema também é abordado na faixa de trabalho do novo EP da dupla As Trinca. Intitulada “Mainstream”, a música conta com a participação de Cris SNJ e traz a perspectiva de cada uma ao transitar entre os diversos mundos da indústria musical ao longo de suas carreiras.

Existir em um sistema econômico e social que demanda concessões em troca da possibilidade de maior visibilidade, e de recursos que proporcionam viver para além da sobrevivência, nos leva a refletir sobre o dilema ético e político envolvido nessa travessia: quem lucra, quem perde e o que se transforma nesse processo?

As negociações existem no campo das relações, e é imprescindível considerar o pensamento estratégico ao se debruçar sobre trajetórias, afinal, nem todo processo de entrada no mercado é, por si só, negativo, superficial ou ingênuo. Há espaço para criação autêntica e para a reconstrução cultural, sem que se perca identidade ou propósito, ao escolher dialogar com a lógica do mercado.

O ponto central é que, ao ascender, o artista já não é mais impactado por determinados contextos, o que pode transformar seu discurso, mas não necessariamente a sua essência. Como diz o refrão da faixa: “Por via de regras não se esqueça de onde veio / Tem que ter respeito, tem que ter respeito / Do underground ao mainstream mantenha seu conceito”

Volta e meia, assistimos artistas que conquistaram o grande público trazerem de volta aos palcos outros artistas que tiveram reconhecimento em algum momento, mas que não permaneceram nos holofotes da indústria. Outros, fundamentais para a consolidação das culturas de rua, seguem desconhecidos até mesmo pelas gerações que os sucederam.

Negar os espaços que o mainstream pode oferecer, sem compreender as complexas camadas de negociação, visibilidade e permanência, é também apagar possibilidades de transformação por dentro. É preciso pensar o mercado não apenas como um inimigo, mas como um território em disputa, onde corpos, vozes e narrativas podem (e devem) redesenhar caminhos e desafiar lógicas hegemônicas, sem abrir mão da raiz, da memória e do respeito à origem.

Como a própria Cris SNJ declara em um dos versos da faixa “Não vim pra ser mascote no circo do cifrão / Tô com os pés no chão, visão além da ambição”, estar no mainstream não precisa significar submissão ou perda de identidade. Pelo contrário, pode ser uma escolha pensada, onde a presença consciente provoca os padrões e amplia vozes historicamente silenciadas. Concluir esse debate é reconhecer que o verdadeiro impacto não está apenas em chegar ao topo, mas em como se chega e no que se faz a partir daí.

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