Estranho, futurista e lisérgico, Marina Sena apresentou ao mundo o seu segundo disco, ”Vício Inerente”, lançando uma proposta diferente do “De Primeira”, e embarcando em novas estéticas visuais e sonoras.
A primeira ouvida, Vício Inerente é… estranho. Não é estranho em um sentido pejorativo ou reducionista. Conceitualmente estranho. “Que ou o que se caracteriza pelo caráter extraordinário; excêntrico”. E é justamente essa estranheza que me prendeu, e me fez ouvir o novo trabalho com um pouco mais de atenção.
Talvez esse sentimento tenha partido do desconhecimento das referências de Marina Sena enquanto artista. Em seu debute “De Primeira”, a cantora mineira se apresentou com uma musicalidade que mesclou seu timbre atípico à ritmos latino-americanos, trazendo toques de dub, soundsystem, merengue e samba na identidade sonora de seu primeiro álbum.
Cantando sobre superação amorosa e busca pelo auto-cuidado, no embalo pop de Iuri Rio Branco, o primeiro álbum de Marina Sena caiu no gosto do público brasileiro, e rendeu a consolidação em sua carreira, além de fortes flertes com outros gêneros musicais, entre ele, o rap, destacando sua belíssima participação na faixa “Se Eu Não Lembra”, presente no álbum ICARUS, de BK’, um caminho que poderia ser um indicativo dos próximos passos da cantora.
Quase dois anos após “De Primeira”, Marina Sena iniciou a campanha de Vício Inerente. Até então, a faixa “Tudo Pra Amar Você” não agradou boa parte dos fãs da cantora, pois se distanciou do que a artista havia apresentado até o momento. Agora com o lançamento do disco, tal estratégia pode ter sido feita para anunciar novas direções em seu próximo trabalho.
A comunicação visual bem apresentada transparece o aspecto futurista e sintético que Vício Inerente tem. O vermelho sedutor embalado na identidade visual do primeiro álbum, deu lugar ao preto e azul metálico, sendo diretamente associado a estética cyberpunk, clássico de filmes e jogos de ficção científica.
Nos minutos iniciais do álbum, “Dano Sarrada”, surpreende em diversos momentos, seja no timbre futurístico do sintetizador, no mix das batidas do soul, drill e funk, nos instrumentos distorcidos, ou no simples fato de estar ouvindo Marina Sena cantar “A graça é você comigo, me dano sarrada”. Independente disso, essa primeira faixa é, para ouvintes mais atentos, a mais interessante possível para ser apresentada na introdução.
Toda a confusão presente na primeira faixa, vai aos poucos se acalmando e dando lugar a uma sonoridade familiar, tipicamente encontradas nas produções de pop gringo. Em alguns momentos tão calmo que era difícil acreditar que se tratava do mesmo trabalho, como em “Mande Um Sinal”.
A partir dessa música, a estranheza é ofuscada pelo embalo dançante da segunda metade do álbum. O caráter experimental das batidas, é bastante presente e se aproxima de outros ritmos eletrônicos da América Latina, como o dub, reggaeton e o já citado, funk, mas sempre coeso dentro da sonoridade futurista, seja através do uso de sintetizadores, ou do autotune.
Vício Inerente não é, e nem tem a pretensão de ser a invenção da roda na música brasileira, mas aponta novos horizontes para ela. A produção ousada e a estratégia de adotar novas referências em um momento de carreira consolidada, revela uma segurança artística que Marina Sena desenvolveu após o lançamento de seu primeiro trabalho.
Um ponto interessante sobre o álbum e que ajuda a entender melhor o processo de criação dele, é a proximidade que tem com a adaptação cinematográfica do livro homônimo, dirigido por P.T Anderson, e que até hoje é lembrado por se fazer a ruptura do estilo de direção criado em suas obras anteriores.
No filme, o personagem principal, Doc. Sportello é um policial que se envolve no caso de sequestro relacionado ao amante de sua ex-mulher, após pedido da mesma. O filme se desenvolve a partir de uma estética que não acrescenta na trama, mas alivia de forma cômica todos os problemas que se desenvolvem nele.
Críticas relacionadas ao filme, o definem como: “Vício Inerente se perde entre pontas soltas e uma sincronicidade confusa e complexa” e “O longa é instável, louco e bizarro como o sujeito, mas também é inteligente e charmoso”, e coincidentemente, também se adaptam ao trabalho de Marina Sena.
As similaridades se limitam só ao contexto de lançamento e referências estéticas a algumas cenas do longa. O nome, apesar de homônimo, carrega sentidos diferentes nos dois trabalhos, e é utilizado por Marina Sena, para elucidar a dependência emocional que sente em relacionamentos amorosos, ao longo do disco. Já o filme, se refere a realidade da subcultura de sexo e drogas na califórnia no início dos anos 1970.