SEMRÉH: Ryu Conecta o trap com mitologia grega em disco ambicioso

O novo disco do corredor chega com uma proposta conceitual compartilhada pelo artista em suas redes sociais e entrevistas. Fica claro no marketing de ‘SEMRÉH’ que Ryu busca inspiração no mito de Hérmes – note que o nome do deus grego ao contrário é o nome do disco –  e na mitologia grega de maneira geral para apresentar uma nova faceta para sua pessoa.

Reprodução: Twitter (@meudeusvey)

O conceito foi sendo indicado por Ryu em diversas de suas publicações nas redes sociais. Em especial, no Twitter, o artista fez uma série de explicações de vários conceitos que buscou empregar em seu disco, seja como inspiração ou como ideia para batizar as suas novas músicas: como foi o caso do uso do termo eureca, que vem da etimologia grega de heureká, que está associado ao conceito de descobrir. A ideia de Mekaniotes, termo que passa a ideia de “trapaceiro”, associado a Homero, mas também em algumas referências ao próprio Hérmes. 

Assim como nestes exemplos, muitas faixas trazem estas referências e inspiração em seus títulos ou nas próprias letras, algo que está presente também na própria sonoridade do disco e artes de divulgação. Isso contribuiu para criar essa atmosfera e transmitir a ideia de um conceito bem desenvolvido. 

SEMREH, nas palavras dos próprio artista, é um disco conceitual, criado com muito cuidado para apresentar seu lado debochado e seu lado sério.

Vale destacar ainda que muitas prévias do disco chamaram atenção nas redes sociais, da mesma forma que os vídeos de sua audição de lançamento do disco:

A Equipe da Flagra escutou o disco e analisou essa tentativa do MC em trazer este lado conceitual para suas músicas.

Um esforço que valeu a pena

É admirável escutar a paixão que um artista teve ao construir uma determinada obra. O esforço de incorporar elementos culturais até então aparentemente não explorados em um determinado gênero artístico ou mesmo a vontade de desenvolver a persona criada pelo artista, o próximo passo em sua carreira, a nova fase.

Este sentimento está presente no novo disco do Ryu, conhecido como o corredor. SEMREH, nas palavras dos próprio artista, é um disco conceitual, criado com muito cuidado para apresentar seu lado debochado e seu lado sério. 

Ele traz influências do mito de Hermes, de maneira mais direta e simples, deus da trapaça e da comunicação, também associado em muitas mídias à corrida ou velocidade – vide Hérmes no jogos Hades ou God of War, ou ainda nos quadrinhos. O conceito se torna evidente quando o artista evoca na introdução um salmo que diz respeito a um indivíduo que possui a chave para transitar entre os vivos e os mortos. 

Talvez a tentativa do Ryu aqui era de associar as múltiplas características deste deus Grego a si próprio. Da mais óbvia, a corrida, até as mais sutis, o acaso, o roubo ou o comércio. Em outras palavras, buscava destacar a versatilidade sem perder a ideia de seu apelido corredor. Isso aparece de certa forma em muitos momentos do disco, mas sem a profundidade que se esperava de um projeto divulgado pelo artista com tanto clamor. 

Toda resposta, procuro, acho
Indo pra cima como um troiano
Tipo, fumando, ignora o dano
Tudo embaixo do pano
Eu não mudo nem com a fama
Eu me acho assim me’mo

– “Heureca”

Tudo isso desfalece com a ideia do que este disco poderia ser caso Ryu tivesse explorado os aspectos do mito de Hermes com maior detalhe e profundidade. O próprio tempo do disco, apenas 20 minutos, prejudica a capacidade de desenvolver estas ideias, principalmente com faixas tão diferentes umas das outras e sem uma narrativa mais amarrada.

Contudo, há de se admirar o esforço em trazer algo mais conceitual para o trap. Há faixas que se destacam como “Mecaniota” e “SUV”, entregando não só na produção, mas em uma escrita mais concisa e focada de Ryu. 

Em “Mecaniota”, por exemplo, o conceito de Hermes como trickster, cujo o apelido seria “mechaniota”, seria um indivíduo que busca aquela sensação de perigo, em outras palavras, o bom malandro, sempre pronto para o próximo esquema. Esta ideia aparece com certa evidência nesta faixa – “Eu tô chapado bem no hall do hotel, às vez’ sou do mal”.

Assim Ryu, de forma ousada nos mostra esse mundo opulento de um trapper em ascenção, desperta em muitos momentos nossa curiosidade, mas ao mesmo tempo deixa aquela sensação de que poderia ter entregue algo ainda melhor, pensando inclusive nos seus últimos trabalhos que se destacaram e o tornaram essa potência no rap nacional

Amarrando o conceito

Embora a proposta de “SEMRÉH” por Ryu busque equilibrar a erudição conceitual com a popularidade do trap moderno, o projeto enfrenta desafios para sustentar essa ambição. Ryu tenta interligar sua fase atual de vida com representações do deus grego Hermes, desde a arte da capa até as nuances das batidas, deixando evidente sua intenção de fazer essa conexão.

As batidas produzidas por Iuri Rio Branco, 6ee, H4lfmeasures, Cyclope, Inpherno, FerM, Pulrs, Joe Challen e Imperial são adornadas com elementos que evocam a Grécia Antiga. Isso cria uma textura auditiva interessante, incorporando instrumentos tradicionais e elementos sonoros arcaicos. Dessa forma, a sonoridade do álbum reflete com muita beleza a aplicação conceitual.

Em menos de dois anos de carreira, Ryu conseguiu destaque notável, mas reconhece o impacto disso em sua vida. Na faixa “Ryan”, ele reflete sobre o Complexo de Deus, uma condição psicológica em que a pessoa se vê como superior, com habilidades e conhecimentos exagerados. Essa introspecção sombria conecta-se ao conceito de ser um deus como Hermes, mas revela uma vulnerabilidade na perspectiva que nas histórias da mitologia grega, até mesmo os deuses apresentam falhas de caráter.

A aplicação solta do conceito permite ao artista manter estrutura e propósito sem se prender a uma narrativa rígida, dando liberdade para a criatividade e expressão individual, proporcionando ao ouvinte uma experiência imersiva. No entanto, a afirmação do sucesso individual, luxo e ostentação, que funcionam bem no trap, acabam diluindo a eficácia do conceito quando as letras recaem nos temas típicos do gênero.

Ryu tem a capacidade de criar mundos sonoros ricos e imersivos. A escolha de Hermes como tema oferecia um campo vasto para exploração lírica e narrativa. Contudo, ao se apoiar excessivamente nas convenções do trap, ele perde a oportunidade de transformar seu conceito em algo inovador e memorável, resultando em uma experiência que, apesar de tecnicamente sólida, não alcança a profundidade prometida em sua totalidade.

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