Antes de seguir na leitura, ressalto que esse texto é de cunho pessoal, da forma que sempre gostei de fazer, se tratando de rap. Minhas escritas são diálogos entre mim e as pessoas que me acompanham. Gosto da troca, da identificação, do impacto.
Ao longo dos anos, entre entrevistas, conversas formais e informais com artistas da cena do rap nacional, mesmo com as diferenças estéticas e musicais, a maioria tinha um objetivo em comum: conquistar e manter a lealdade do público. Afinal, views no YouTube e players no Spotify não lotam show e nem mantêm a carreira do artista consistente, mas isso é assunto para outro dia e no decorrer do texto, você vai entender porque pontuei.
Em abril, fiz a cobertura da turnê de ICARUS, que além do show de BK’, teve Vandal e Yan Cloud na abertura, foi um evento histórico. Estou aqui, contando essa experiência um mês depois, porque precisei de um tempo para processar tudo o que vi. Passei um período sem viver essa experiência, e de sentir a força do público baiano de perto, valeu muito a pena. Salvador deu o nome e mostrou que, apesar dos pesares, ainda existe esperança para a valorização de seus artistas locais.
Cheguei cedo, por volta das 16h15, após a abertura dos portões. Meu intuito era observar o público ali presente, trocar uma ideia com os artistas, organizar o material que iria produzir e claro, me divertir um pouco, dentro das minhas possibilidades. Fiz de tudo um pouco.
O primeiro a conversar comigo foi Yan Cloud, jovem artista que conheço há alguns anos. Vi Yan surgir, se desenvolver e crescer profissionalmente Sua entrega no palco é incrível! Ele estava ali extasiado, entregando o melhor de si, completamente envolvido ao momento e com o público. Trouxe Gibi MC para o palco e ainda contou com a presença das dançarinas Brisa Okun e Dricca Bispo durante todo o show.
“Estar hoje aqui dá uma sensação de ver que as coisas estão realmente andando. BK é um cara que acompanho das antigas e estou abrindo o show dele. Ano passado rolou Afropunk, abri o show de Emicida. Então, sinto que estou no caminho certo”.
Uma das grandes discussões do rap nacional, atualmente, é o “pioneirismo”, na maioria das vezes, trazida por artistas sudestinos. É nítido o apagamento com os artistas do Norte e Nordeste, principalmente. Para Vandal, essa invisibilização não tem a ver com soberba ou deter estilo para si, mas, com pesquisa, já que ele e outros artistas fora do eixo se debruçam nisso, buscam outras possibilidades pelo desejo de entregar muito mais, mas sente que isso não é valorizado pelo público.
“Lembro de quando o pessoal dava risada quando eu cantava drill. Me humilhavam, desfaziam de mim e lembro também quando essa vertente tomou uma proporção maior, mundial, foi como se dissessem “Não pode ser Vandal”, nisso surgiram outros artistas, criado por eles, sempre do Rio de Janeiro e São Paulo”, conta.
Vandal têm músicas e parcerias engatilhadas para 2023 e 2024, e segue com uma proposta de fazer tudo diferente, desde a produção, até o planejamento de comunicação dos seus projetos. Ele entende seu trabalho como algo incentivador e conta que a sua maior inspiração é sua avó, dona Neusa, que foi quem o criou e teve acesso ao seu lado mais íntimo. Era lavadeira, costurava e passava, ele a ajudava com as trouxas de roupa, vindo dos prédios até o bairro da Cidade Nova, em Salvador. Deu um depoimento forte e emocionante sobre ela:
“O molde, o recorte de ser humano que tenho é influência dela, é minha referência. Tudo o que faço, é pensando nela. Quando lançar meu disco, pensarei nela ouvindo, no que conseguirei ser a partir dela. Ela curava minhas dores, minha raiva, me viu no mundão, cometendo crimes, escanteado. Ela era a única pessoa que me olhava e dizia, você é você. Me abraçava, era ela. Neusa. É tudo por ela”.
Tanto a apresentação de Yan, quanto a de Vandal, esquentaram o público. Sucessos como “Garota de Salvador” e “Balah ih Fogoh”, agitaram a plateia. Vandal trouxe para o palco a artista Suhhh, que tem um single com ele, se jogou no meio do povo e encerrou o show com palavras de incentivo, pedindo a valorização dos artistas locais.
“Amem a cidade de vocês, os artistas de vocês, as roupas de vocês, a cor de vocês. Todos os artistas de rap, os trans, os gays, as mulheres, eles precisam de vocês. Enalteçam o lugar de vocês. Amem os artistas da cidade de vocês, senão, a gente vai continuar sendo coadjuvante para o resto da vida”.
Após 20m, BK’ subiu ao palco e foi um momento de fortes emoções. Entregou uma performance à altura do que o público esperava e merecia. Trouxe sucessos de “ICARUS” e surpreendeu a todos com músicas do “Castelos & Ruínas”, álbum lançado em 2016, considerado um clássico. Uma das coisas que ele pontuou, durante a entrevista, foi justamente isso, o público ter mostrado que abraça seu trabalho, cantando todas as músicas de seu projeto mais recente e do mais antigo, e isso ser uma dádiva, visto que ICARUS está prestes a alcançar 60 milhões de views nas plataformas de streaming.
Vir para Salvador já estava nos planos dele, relatou que sempre que chega aqui, na cidade, é mais legal do que em outros estados que costuma ir com frequência. “Eu queria fazer algo forte aqui, desde a última vez que a gente veio”. BK’ conta ainda que bateu o pé com a equipe, pois queria trazer a turnê de ICARUS para Salvador, que era necessário viabilizar e entregar esse show para o público. “É uma galera que me abraça muito, me recebe muito bem. Hoje a gente viu isso aqui, foram mais de 2 mil pessoas na casa […] Eu quis muito ter entregue esse show, eu gostei muito”, diz.
Para Eric Castro, fã do artista, ir ao show trouxe um mix de sentimentos bons. “Eu estava ansioso, fiquei com frio na barriga, afinal, ele é o meu maior ídolo. Pude ser agraciado com um repertório maravilhoso e ainda vi ao vivo ele tocar alguns clássicos, não foi à toa, é sensacional. Para fechar com chave de ouro, tive a oportunidade de tirar uma foto com ele, abraçá-lo e dizer o quão bom foi aquele momento. Não consigo encontrar adjetivos que deem conta do que eu estava sentindo”.
Yan Martins, amigo de Eric, viveu o show “110%”, prestigiou de perto e se sentiu feliz pela oportunidade de ouvir músicas que representam algo para ele, já que ouve BK’ desde a adolescência e suas músicas serviram como fonte de inspiração. “Conhecer de perto um cara que dediquei sons para pessoas e aos bons momentos que tive, foi realmente inacreditável, melhor ainda, tenho uma fotografia para eternizar esse momento“.
ICARUS consegue ser diferente das demais obras de BK’ e mostra seu amadurecimento ao longo dos anos na cena. Com participações de peso como L7NNON , Major RD , Julia Mestre , Bebé , Luccas Carlos e Marina Sena, o rapper considera que não se “transformou”, mas se atualizou bem, não perdeu as próprias características e essência.
”Não estou falando de conceito. Estou falando do álbum como trabalho. Tá ligado? Como jogo do rap. Acho um álbum perfeito, de um artista que vem de outro cenário, de quando ainda falávamos do ano lírico […] Você consegue ser muito mais verdadeiro, quando você é verdadeiro com seu trabalho, as pessoas te entendem melhor”, finalizou.
Foi uma honra cobrir esse evento, não apenas pela cobertura em si, mas por prestigiar artistas locais, prestigiar essa turnê e ver de perto o potencial do público soteropolitano. Breve eu volto e em novas aventuras! Beijos da @gabehs!