Com o álbum Ogoin & Linguini: TV Show, que estreou no dia 8 de dezembro, a dupla mineira voltou os holofotes para si no início deste mês. O álbum que cativa logo na abertura semelhante a de um seriado, está sendo um dos marcos da música desse ano. O projeto conta com 18 faixas, contendo abertura, comerciais e créditos, sendo elaborado no formato que você espera de um seriado de sitcom.
No dia da entrevista, a dupla viveu um verdadeiro episódio de sitcom. Linguini e I9, CEO da Produto Marginal, foram buscar Ogoin em sua casa, no centro de BH, para irem à sede de uma importante empresa patrocinadora. No caminho, Linguini ficou com fome e decidiu parar para comprar salgados em um posto de gasolina. Algo comum, certo? Mas pouquíssimas coisas podem ser normais numa sitcom…
O inusitado dessa situação é que, logo na primeira mordida, o frango que recheava o alimento caiu na blusa branca de Linguini. Desesperado devido ao acontecimento, Linguini tentou se limpar com um guardanapo, mas sem sucesso. O artista chegou na sede da empresa com as vestimentas sujas, mas saiu de lá com um sorriso no rosto após fechar uma colaboração para o lançamento do álbum.
Mesmo lançado em dezembro, o disco roubou a cena para Ogoin & Linguini, a nova dupla da cidade, e eles nos deram uma entrevista sobre o processo de produção do TV Show. Confira a entrevista completa e conheça mais sobre o duo.
Flagra: O álbum traz um elemento criativo interessante: a proposta de ser uma sitcom com um tema de abertura, enredos diferentes em cada música e até mesmo intervalos comerciais. Esse projeto surgiu antes ou durante as gravações das músicas?
Linguini: No final do ano passado, eu já tinha feito alguns beats bem “retrô”, que tinha relação com “Good Times” e “Vou Curtir Você” pela sonoridade dos acordes, mas que, ainda assim, era muito diferente do que a gente tinha apresentado. Dentro desses beats que eu ia fazendo, muitos deles são de um gênero chamado “New Jack Swing”, que é um gênero que foi muito popular nos anos 90. Por ser muito típico dessa época, ele esteve muito presente nas séries americanas, principalmente nos seriados americanos negros, no geral. Toda vez que eu fazia esse tipo de beat, eu lembrava de sitcom. Nisso, virou o ano e eu e Ogoin estávamos numa sinergia tão grande que nem definimos que íamos fazer um álbum
Ogoin: Tem algo que eu acho muito legal de pontuar é que, desde o início, nós pensamos em construir algo pautado no sentimento de nostalgia. Se guiando por essa ideia, nós chegamos à conclusão que algo muito nostálgico são as séries da nossa infância. Como a gente foi guiando as músicas para um espaço fora da estética oitentista e até mesmo noventista, a sitcom foi um objeto muito presente e sempre com os mesmos elementos de reprodução.
Flagra: Quais foram os entraves de se colocar esse estilo em prática?
Ogoin: Os comerciais foram as coisas mais difíceis de fazer, tirando as músicas. Esse espaço foi o maior entrave. Por quê? Porque não teria o mesmo efeito se a gente não fizesse tão fidedigno. Não seria legal eu e Linguini fazendo (os comerciais). Todo esse processo de entender quem escolher, procurar o contato, explicar as ideias e gravar o áudio foi algo bem complicado.
Para ter o impacto desejado, precisávamos que os comerciais fossem autênticos, semelhantes a comerciais reais. Então, criamos uma versão demo para apresentar às pessoas, e Encontrar as pessoas certas para o projeto foi um processo trabalhoso. Pensar nas pessoas, explicar ideias, trazê-las para perto de nós, entrar em contato, gravar – tudo isso demandou tempo e esforço. Por exemplo, precisávamos de um palhaço, de uma personagem idosa, talvez uma atriz conhecida ou uma voz específica. Enfim, foi um processo desafiador, mas estamos satisfeitos com o resultado.
Flagra: A atmosfera synthwave do álbum, com uso frequente de sintetizadores, traz elementos já demonstrados em singles como “vou curtir vc” e “Sideral” (que está no álbum), e por outro lado, temos um drill em “Dudley Boyz”, por exemplo. Quais foram as referências musicais utilizadas para o disco?
Linguini: Ao mesmo tempo que não foi difícil fazer uma letra rápida, muitas das letras a gente fez junto.É um desafio fazer um álbum com faixas que podem ser tão diferentes, mas que, ao mesmo tempo, soem redondo como um álbum. Então, é um desafio você sair de uma faixa com estética de 2012, puxando para o Miami, e depois ir para outra faixa completamente diferente, tá ligado? Os diálogos que são utilizados tanto para criar essa temática quanto para conectar uma faixa a outra, tá ligado? Então foi um desafio, um puta desafio, mas que a gente conseguiu cumprir e o álbum tem atos na narrativa. A gente criar esse caminho da ordem das narrativas fez também com que esse turbilhão de referência se conecte. As referências foram importantes, mas se desprender delas em alguns momentos também foi.
Flagra: “TV Show” é o primeiro álbum enquanto dupla de vocês. Como foi o processo de misturar as referências de cada um para a construção do disco?
Linguini: Somos um produto, uma dupla mesmo e a sonoridade é essa. E juntando essa sonoridade com essa coisa da galera ver a gente como uma dupla, eu lembrei de Drake e Josh, Zack e Cody, Kenan e Kel e todas outras duplas de seriados televisivos, tá ligado? E eu falei “pô, é isso mano! Nós vamos ter que fazer um álbum com série”. E aí o também tem muita rap disso, está ligado? E o Ogoin conhece muita coisa que eu não conheço também, tipo WWE, que ele é muito fã.
Ogoin: O Linguini, além de se alinhar bem nas intenções, traz uma percepção sonora aguçada que eu não tenho tanto. Ele é um produtor incrível, capaz de incorporar ideias no som, na atmosfera, facilitando a interação liricamente. Isso me colocou em um espaço de expansão além da criação básica, permitindo testar coisas novas, ir mais longe, aprimorar a melodia, tudo se encaixando harmoniosamente. Era um campo fértil de possibilidades, sem restrições. Sempre havia essa abertura para experimentar.
Flagra: Quais são seus elementos em comum que vocês trouxeram para dentro do álbum? Como cada um atuou no processo criativo?
Ogoin: A relação “Ogoin e Linguini” é forte porque a gente viveu no mesmo contexto. Eu sou do interior, um pouco diferente, mas ambos foram criados de uma forma muito longe do que seria o centro da situação econômica do local. O Linguini foi criado no Barreiro (Região de BH) e eu em Itabira (Cidade ao leste de BH).
É uma vivência também que conversa muito com quem você vai lidar, o quanto você se sente confortável com aquela pessoa, porque aquilo, aquela pessoa entende do seu contexto porque ela passou por situações que são comuns a esse recorte. Eu acho que tem a ver um pouco com isso também, o fato da gente ter tido uma infância parecida, com as mesmas referências, com os mesmos espaços de conceitos, e por isso a gente ter uma facilidade de poder se identificar dentro desse processo nostálgico. Então a gente não tinha muita dificuldade para assimilar um processo nostálgico ao outro. A gente viveu e passou por esse processo meio que no mesmo momento e junto, na mesma condição e isso acabou sendo uma coisa muito importante também.
Linguini: Eu acho que o Ogoin, inclusive, tem mais refs de infância, porque, sei lá, ele teve muito acesso a filme quando ele era mais novo, consumia muito esse tipo de coisas é muito mesmo a relação com a televisão, que é até um hábito que a gente abandonou hoje em dia que evoca memória pelo simples fato de ser televisão,de você ligar e não poder pular a propaganda. Ou você ligar e o que tem ali é a grade do horário Você não pode escolher. Hoje em dia eu tenho saudade dissosaudade de não escolher, tá ligado? Eu tenho saudade de ligar a minha TV e não escolher. O que tá passando me conforta, é isso. Tenho saudade disso E memória e saudade é uma das coisas que guiam esse álbum.
Flagra: Cada faixa traz consigo um lado diferente do “show” de Ogoin e Linguini, mas, para vocês, qual a música que vocês acham que pode ser um símbolo de todo o álbum? E por quê?
Linguini: Tô entre “Nossa Noite” e “Drinques Infames”. São faixas que contemplam tudo que o álbum tem. Por exemplo, “Drinques Infames”, tem flow, tem barras, tem história, tá ligado? O Ogoin escreveu ela pensando em como que, nos anos 2000, os caras sempre rimavam sobre o quanto de dinheiro que eles tinham ou quão poderoso eles eram, sabe? Basicamente, sobre os elementos que o hip-hop dos anos 2000 pregava, né? E ainda prega hoje. Com isso, a gente pensou em criar um personagem tão poderoso que ele tem que lidar com essas questões de pessoas tentando sabotar o corpo dele para se aproveitar dele. Nessa faixa, eu pulo rimando e o refrão é cantado. A música tem ponte e dá pra dançar também, o que é muito bom, porque muda de tom no final. Então, tipo assim, eu acho que Drinks Infames contempla em quase todas as nossas skills.
Os sons do segundo ato do álbum são sons muito fortes. Para mim, eles são os sons que mais representam. Isso não significa que outros são menos importantes. Eu acho que os outros são muito fodas também, só que, em conjunto de habilidades, esses são os mais apelosos.
Flagra: Com tantas versões diferentes que vocês se mostram dentro do álbum, como vocês se veem hoje enquanto artistas depois deste processo?
Ogoin: Os processos foram sendo tão potentes pra mim que hoje eu me encontro num espaço em que o que eu escuto é o que eu que eu faço. Quando eu escuto o que eu faço, as possibilidades são só de expansão. Artista tem muito uma coisa de se auto cobrar. Quando eu escutei “Ponteiro (Tic Tac)”, eu chorei, velho. Eu fiquei emocionado! Essa música está nesse espaço de que você produz, você se blinda do efeito dela e mesmo assim uma parada feita por você consegue te emocionar. Para mim, é o principal ponto de evolução como artista do processo de começar o álbum até finalizar. Agora eu tenho uma noção muito maior do que eu, como artista, tenho a capacidade de produzir. Eu sei o que preciso pra estar nesse ponto de expansão. Eu não preciso mais ficar com o pé atrás. Eu já eu tenho uma coisa que me diz que eu fiz uma parada muito foda.
Linguini: O grande lance é que esse álbum é um marco de um momento em que eu vou ter um orgulho de mostrar e falar: “Olha, isso aqui representa de fato o que eu sei fazer”. Eu acho que é o momento que eu me reencontrei. Foi um longo caminho de 2016 até hoje e hoje eu me sinto confortável com o que eu falo com, com a forma que eu me imposto com a forma com que eu não me curvo para alguns tipos de sonoridade que são hegemônicas no Hip-Hop. É uma evolução que eu considero bonita de alguém que se reencontrou, de alguém que a todo momento sabia que gostava de música, mas que hoje sabe o que realmente quer fazer.
Ouça o álbum aqui: