”O estado de espírito que eu estou vivendo no momento vai ter relação direta com o que eu fizer”, Ogi fala com Flagra Rap

“O estado de espírito que eu estou vivendo no momento vai ter relação direta com o que eu fizer”

Depois do sucesso de RÁ! (2015), Ogi esteve sempre presente nas conversas a partir de participações, mas os fãs queriam mais, um novo projeto do MC. Felizmente, a espera não foi longa. Pé no Chão chega para matar a vontade dos ouvintes, principalmente por conter a aguardada sequência de “InSOMnia”. Falamos com Rodrigo sobre o novo disco e um pouco do seu processo de criação. Confira a entrevista completa abaixo.


Ogi e seu filho/ Reprodução: Instagram

Por que o título ‘Pé no Chão’? E por que a escolha por esse formato de EP?

Ogi: O título foi quase a última coisa que veio do disco. Já tava com quase todas as letras escritas. Comecei a analisar muito a minha atual situação mental e analisando o disco, em cima de tudo que eu tava falando ali, achei que esse título tinha tudo a ver, ia casar com tudo que eu escrevi. Também casou de eu estar fazendo um tênis em colaboração com a Öus, que tem tudo a ver: “pé no chão”, uma coisa óbvia, mas foi uma coincidência. A capa foi inspirada nas cores do tênis. Acabou casando tudo isso.

Eu ia fazer um disco, na real. Eu já tinha feito algumas músicas pra ele, só que eu me inscrevi num projeto pra tentar captar um dinheiro, assim poderia lançar nada do disco, como um single, por exemplo. Aí eu pensei: também não posso ficar tanto tempo sem lançar nada. O RÁ! fez dois anos agora em outubro, dia 2. Seria muito tempo sem lançar nada, do jeito que as coisas correm ultimamente, a informação é muito mais rápida. Então eu separei algumas faixas para o EP. Tirei umas três faixas que ficaram pro disco, que elas estavam muito boas, e nós, eu e o NAVE, achamos que tinham que ficar pro disco. Separei algumas que estavam ali também, que a gente gostava, mas que achamos que caberia no EP. E eu fiz mais umas três faixas, se não me engano. No começo iam ser cinco, depois seis, porém como conseguir finalizar a sequência de “InSOMnia” fechamos com sete.

“InSOMnia”, com Emicida e produção de DJ Caique, é uma de suas faixas mais famosas. Você mesmo já disse em outras entrevistas que não esperava que a faixa fosse tomar a proporção que teve. Por um momento, você publicou nas redes sociais que a sequência talvez nunca fosse ocorrer. No entanto, para felicidades dos fãs, ela está para sair. Você espera uma recepção tão boa quanto a primeira parte? O que podemos esperar para esta faixa? Como estão as participações de Coruja BC1, Diomedes e Marcela Pil?

Ogi: Pensei que essa faixa não fosse sair, porque não faria sentido eu fazer o som sem o Emicida, que é uma coisa que começou ali. Eu acho que a continuação ele sempre tem que estar combinado com o convite pra participar, para a música ficar mais brilhante. A agenda do cara [Emicida] é muito difícil de conciliar. Às vezes você marca uma coisa com ele, aparece um imprevisto e ele não consegue comparecer. Nem é por maldade, é que a agenda dele, tá ligado? Era pra ter saído muito antes a música. Ia ser somente eu e ele de novo. Foi bom até essa demora, porque eu consegui convidar o Diomedes, que é um moleque que eu gosto bastante, e o Coruja, que vinha se destacando em várias faixas, que estava me surpreendente. Foi até bom isso. Eu considero essa faixa é mais atual, na questão até de base, de instrumental. Tem uma mina cantando no refrão, que é a Marcela, que eu admiro muito. E veio o Diomedes e o Coruja, como já falei, que são moleques novos que tão chegando apavorando aí na cena e coroou com o Emicida ali, em várias linhas cortantes. Então, sei lá, acho que a galera vai curtir, mas também é difícil você prever. Às vezes você faz uma coisa achando que vai ser aquilo, e as pessoas piram em outra. Eu não tenho muita expectativa, com esse som e nem com o EP em geral.

Qual a ideia da capa? O que do trabalho ela sintetiza?

Capa do EP “Pé no Chão”/ Foto e design: Gustavo Amaral

Ogi: Eu queria transmitir como se eu tivesse tipo num vale, sobre as montanhas, olhando as coisas lá de cima e refletindo. Como se tivesse fazendo uma viagem pra dentro de mim mesmo. Como já disse, foi feito em cima das cores do tênis, mas a ideia eu sugeri, porque eu queria transmitir esse pôr do sol, aquela hora que o sol tá se pondo e a noite caindo. Aquela cor bonita, que eu acho que é, talvez, uma das melhores horas do dia. Eu queria passar isso com as cores e com essa ideia da foto. Casou, também, pra chamar pra cor do tênis.

Você e o NAVE já trabalham juntos há muito tempo e essa dinâmica ao longo dos anos tem demonstrado muita evolução, basta ver o sucesso do último disco, inclusive você já comentou que na maioria das vezes as músicas só saem se ele aprovar as linhas, chegando até a jogar músicas inteiras fora por não terem o aval dele. Sabendo disso, o que podemos esperar de novo desta parceria de longa data? O que mudou do ‘RÁ!’ para o ‘Pé no Chão’ com relação ao trabalho com NAVE?

Ogi: Eu e o NAVE nos conhecemos desde moleque. Nos conhecemos em 2001 ou 2002. Eu estava começando a rimar de verdade, a levar a sério. E ele rima, que ele rima muito bem, coisa que quase ninguém sabe, e tava começando a produzir. Ele já era bem diferenciado pra época. A gente sempre curtiu o mesmo estilo de rap, anos 90, golden era, além de sermos bem amigos. Nossas famílias são amigas. Essa questão do aval é mútua, às vezes ele acha que uma coisa tem que ir e eu falo: ‘não, cara, eu não quero que vá pro esse caminho’, e ele também me ouve. Só que às vezes viajamos numa ideia, então isso é uma coisa equilibrada. Às vezes eu falo ‘não’ para certas coisas, às vezes ele fala ‘não’ para certas coisas, e a vamos chegando nesse consenso, para que a música ser do jeito que a gente quer.

Do RÁ! pro Pé no Chão acho que meu jeito mudou. Eu ainda gosto de fazer storytelling, mas nesse disco é uma coisa mais pessoal e era um jeito que eu não estava tão acostumado a escrever. O NAVE ele continua cada vez mais evoluindo na produção. O cara aprendeu nota, harmonia, tudo sozinho. Ele sabe: ‘essa nota tá em dó’, ‘essa nota tá em fá’. Não que eu seja um cantor, mas eu aprendi mais coisas, mais jeitos de colocar a voz sem forçar, sem desafinar tanto, sem que fique soando meio estranho. É aquela questão de estar sempre estudando, sempre praticando. Também comecei a fazer mais instrumentais, fazer mais coisas. Porque antes eu gravava as coisas em cima do bumbo e caixa, e os músicos e o Nave iam fazendo os arranjos. Dessa vez eu já pré-produzi algumas músicas, e ele só deu o complemento. Isso ajuda bastante, porque você fica com o ouvido mais apurado conforme os anos passam.

Você havia falado no Twitter que depois do ‘RÁ!’ iria “soltar o especial”, fazer participações com muitos MCs e isto realmente aconteceu, além de algumas singles, como “Reality Show” com Raillow e SPVic, você esteve em diversos projetos – os discos do Apolo, Rael, nILL, Quebrante e Família Madá. Como tem sido esse processo colaborativo combinado ao seu trabalho? Tem alguma destas colaborações que foi muito diferente do que imaginava? Com quem ainda pretende colaborar?

Ogi com niLL nos bastidores do Regina Tour/ Foto: Larissa Zaidan’

Ogi: Venho fazendo participação, colaboração faz tempo, cara. Uma das primeiras que fiz com o Nocivo, e com um pessoal de Curitiba, acho que em 2006. Já nessa época eu já vinha participando bastante de raps com os caras da época. Depois fiz Costa GoldHaikaiss… Contando devo ter mais 50 participações. Daqui pra frente vou só fazer coisas com as pessoas que tenho o mínimo de amizade e de identificação. Senão você faz a música sem intimidade nenhuma com a pessoa e a ideia acaba não casando, é complicado. Mas convidar, eu pretendo convidar bastante gente pra projetos futuros.

Quero fazer uma faixa com o Criolo, com Kamau, com Rashid, que são os caras que eu gosto, com Rael, o Rodrigo BrandãoEspiãoJamés, o RickThiagão do Motim. E com os caras novos também, Froid é um cara que eu gosto bastante e tem o Don L, sou muito fã do cara, gostaria de fazer um som com ele. Conheci esses dias vários trampos novos de uma molecada boa. Graças a Deus o rap tá nesse nível!

Antigamente era muito pouca gente fazendo e hoje em dia muita gente fazendo. Tudo bem, tem muita coisa, a gente pode não gostar, mas também tem muita coisa boa, não pode dizer que não. Eu tenho sonho de fazer um som com o Mano Brown. Fora do rap, quero gravar com Marisa Monte, seria muito foda fazer com ela. São vários, se eu ficar aqui, vou acabar não conseguindo responder.

Em uma antiga entrevista à Revista Cult, Mano Brown é questionado a respeito da função do rap enquanto forma de salvação à juventude periférica. O cantor, então, afirma enfático: “Não pode ter esse negócio de grupo de rap ser ONG. A responsabilidade é de todos.” O que você pensa a respeito dessa função social que é atribuída com frequência ao rap? O rap, e o hip hop, desenvolvem ainda essa função?

Ogi: Ele [o rap] foi criado como uma forma de festejar, de duelo entre gangues. Tipo, uma gangue vinha com seu MC, outra com seu melhor MC, outra com seu melhor grafiteiro, bboy, DJ, mas era o MC que agitava mais a festa. Assim que começou, né: party. Aí depois lá fora vieram os caras denunciando as coisas que aconteciam no bairro, que ninguém noticiava. Pra muitas pessoas, inclusive para mim, o rap, assim [de denúncia], ensinou mais que a escola, talvez. Sabe, Racionais?! Mas eu não discordo que tem que ter várias vertentes do rap. Tem que ter o cara que fala daquilo, tipo o Eduardo que vem nesse linha, tem que ter o cara que fala mais de festa. Só não pode virar, sei lá, tomar um rumo errado, que confunda a cabeça da molecada.

Quando você canta, aquele moleque está te ouvindo, está acreditando em você. A gente tem que ter certo cuidado, mas acho tem que ter essas outras, também tem que ter diversão. Às vezes o cara tá cantando sobre meditação e aquela música te soando bem aquilo, tá te fazendo bem. O rap desenvolve essa função [de denúncia] ainda. Se você parar para ver, o cara que ouve uma rima bem construída, ele se identifica com aquilo, e vai atrás de querer ter essa habilidade, também, e com isso ele vai estudar mais. Ele vai ter mais sede e mais fome de informação. Um moleque que faz freestyle tem que ter vocabulário grande, senão ele perde. Então eu acho que é mais ou menos essa função que ainda existe. Esse lado de aguçar a fome de conhecimento da molecada.

Muitas vezes acabamos por associar arte apenas ao erudito: àquelas produções que são legitimadas por um determinado público enquanto válida. No entanto, é possível também considerar a arte para além disso: enquanto uma expressão das potências humanas. O processo de construção de um novo trabalho, como foi feito de forma bastante pessoal em RÁ!, caracterizado pelo storytelling, e agora no caso do novo EP, passa por um processo criativo de imersão em temáticas e conceitos. Como você identifica e se relaciona com esse fazer artístico do seu trabalho?

Ogi: Meu processo criativo é solitário, quando eu estou em processo de criação eu me isolo bastante, até dos meu amigos e não mostro as criações pra ninguém. Eu fico criando, criando, horas e horas, lendo, vendo filmes e utilizo isso somando com minhas experiências de vida. Graças a Deus eu vivi muitas aventuras, no bairro que eu nasci tinha muitos problemas mas eu fui abençoado porque convivi com muitas pessoas e isso me fez conhecer e entender vários aspectos da personalidade das pessoas de um jeito humano, sem julgamento e eu escuto várias músicas também, vários estilos.

Ultimamente, tenho escutado muita coisa atual e isso me ajuda nesse processo de criação, ficar criando, não importa qual tipo de arte, se você for desenhista, músico de trompete, guitarrista ou um poeta, é um laboratório, às vezes faço uma música inteira ou metade de uma música e quando eu vejo que não tá legal eu descarto, no começo de cara eu simpatizo com elas mas depois escuto mais duas vezes e decido não usar, ou ela é engavetada se tiver alguma coisa que tem pra usar ou então jogo fora.

De dez tentativas às vezes você acerta uma, eu me sinto desesperado nessa situação quando não consigo chegar no que eu queria, já cheguei a chorar até quando isso acontece, hoje eu já sei lidar muito melhor e controlar a ansiedade, praticar de um jeito que a coisa flua melhor e eu atinja um resultado melhor.

Em uma antiga entrevista, você disse que o fato de ter se tornado pai o havia motivado a criar trabalhos um pouco mais solares e otimistas. Muita coisa mudou desde que você foi de “vovô” a papai? (risos) A criação das canções se mistura àquilo que você está vivendo naquele momento ou é possível manter certa distância?

Ogi: É como eu digo, o estado de espírito que eu estou vivendo no momento vai ter relação direta com o que eu fizer, nas minhas músicas de storytelling isso talvez se mascare mais porque eu coloco esse sentimento em forma de várias histórias mas quando falo de um jeito pessoal isso fica mais nítido.

Ser pai foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, sempre me dei bem com criança, eu tenho diversos afilhados, mas ser padrinho é uma coisa completamente diferente de ser pai, não tem comparação, até por ter sido criado sem pai eu sempre quis ter um filho pra poder dar pra ele o que eu não tive, uma presença paterna. Quando meu filho nasceu minha vida mudou, é uma coisa que está ali e depende de você, ao mesmo tempo que a criança é indefesa ela vem pra te ensinar várias coisas, você fica mais humilde, deixa de dar importância pra coisas que não tinham importância, pra mim foi mágico, não tem muita explicação, só vivendo na pele e eu aconselho a todos um dia passarem por essa experiência que é muito foda, isso muda.

É possível também manter uma certa distância porque eu tento escrever também como se eu fosse um jornalista, posso ter visto algo acontecer, e detalhar aquilo de uma maneira que vai parecer que aconteceu comigo e ela não deixa de ser verdadeira, realmente aconteceu, outras pessoas vão ouvir e se identificar, na hora de escrever é possível tudo desde que você tenha criatividade, desde que você não se limite, não deixe um padrão ou fique engessado.

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