Entendendo “Obrigado Mainstream” do Febem | Entrelinhas

Armadilha: o que mais tem dentre os prazeres
Mentira: o que mais sai da boca de rappers
E eu que também sou um, não fico de fora dessa
Nem sempre deu pra falar a verdade pra polícia

“Obrigado Mainstream” é uma daquelas faixas que dizem muito diretamente ao ouvinte em suas rimas, mas também escondem muito em suas linhas.

Nestas, em particular, Febem chama atenção em como ser rapper muda a sua relação como indivíduo na sociedade, ideia que ele constrói na faixa a partir da constatação de que o Mainstream muda o artista – “Querem minha posição que não me põe em lugar nenhum”

Febem impõe a ideia de que não é porque a sua música é bem recebida pelo público que você estará necessariamente num lugar de prestígio ou fartura. O que seria estar no Mainstream? Ter números? Ter dinheiro? O que precisa para chegar neste patamar? Não há uma definição exata para isso, ainda mais num gênero historicamente marginalizado como o Rap.

Por ser um trabalho pautado na escrita, é comum que as discussões sobre a cena passem pela ideia de que um bom MC e rapper deve escrever a respeito de situações que vivenciou. Há sempre muita crítica, inclusive pelos fãs que indicam que os artistas criam histórias que não são reais.


“Então a minha janela virava uma tela de cinema, onde eu ficava vendo acontecer tudo aquilo que narrei. Eu tinha um tipo de vivência. E hoje nem sei se conseguiria fazer uma música como essa [“Soldado do Morro”], cheia de verdade.”

MV Bill para O Povo

Portanto, há aqui uma comparação que explora esse aspecto. Quando Febem fala  sobre mentir, ele explora a ideia de escrever coisas que não aconteceram, mas também de omitir durante um enquadro os possíveis crimes que estaria cometendo, como portar drogas, ressaltando a ambivalência inerente ao ato de mentir. Em outras palavras, para ser verdadeiro, ele teria que mentir, seja na vida do crime, seja na vida como rapper.

Essa relação com a verdade também aparece quando os artistas são questionados se escrevem suas próprias rimas ou permitem que outros o façam para ele, os famosos ghostwriters. Rappers como Drake são constantemente questionados com relação a essa questão, pois o senso comum no rap em geral, inclusive aqui no Brasil, é que um rapper deve escrever suas próprias rimas.

E os prazeres? Bem, o dinheiro, a fama e o sucesso trazem em si as suas “armadilhas”, como um contrato de uma gravadora, que pode conter termos para explorar o artista, como acordos pelos direitos de parte da música do artista ou cláusulas que obrigam a produzir um determinado número de projetos antes que eles possam buscar novas gravadoras.

Este assunto é amplamente discutido por muitos artistas nacionais e internacionais nas suas músicas e entrevistas.

Y’all out here still takin’ advances, huh?

Me and my niggas takin’ real chances, uh

Jay-Z em “The Story of OJ”

Nota publicada por Jovem Dex em suas redes após rompimento de contrato com a produtora Hash

Megan, Lupe Fisasco e Big Sean são alguns do exemplos internacionais com acordos ruins com gravadoras e distribuidoras:

“Eu tive que gastar minha própria grana auditando minha gravadora, porque milhões de dólares tinham sumido (…) Eu pensei que a Universal estava me devendo, mas o dinheiro tinha sido pago para a GOOD Music”

– Big Sean

Além disso, o próprio fato de poder ou não mentir é uma armadilha por si só. Não é à toa que muitos dizem que essa é a Profissão Perigo: ser preso por falar a verdade ou perder a credibilidade por contar mentiras? Consequências do Mainstream.

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