Quem diria que ouvir Emicida nas produções clássicas do Racionais MC’s seria o que a gente precisava em pleno 2025? “Emicida Racional Volume 3”, uma espécie de mixtape de mash-up, assinada pelo DJ Relíquia & LRX — alcunhas adotadas por DJ Nyack e Emicida —, resgata uma arte quase esquecida no Hip Hop, quando os artistas lançavam seus versos em produções de outros.
Neste projeto em especial, Nyack e Emicida conseguiram trabalhar a questão da nostalgia de uma maneira interessante: o ouvinte é capturado pelas produções e pelas rimas. Tanto as produções clássicas do Racionais quanto os versos consagrados de Leandro evocam um sentimento das faixas originais, num primeiro momento causando uma estranheza, mas que logo vai fazendo sentido. Quem já foi a algum show do Emicida deve ter ouvido Nyack fazer algumas viradas deste tipo durante as apresentações.
Uma combinação que me marcou foram os versos de “Orra…” na produção de “Vida Loka Parte 2”. Ambas as faixas são emocionalmente pesadas, verdadeiros desabafos. Duvido que alguém comece a ouvir a produção de VL2 e não seja transportado automaticamente para um lugar de orgulho por conhecer a faixa e, neste caso, quando os versos pessoais do Emicida começam, você também é levado para aquele estado de espírito do MC que superou as dificuldades e agora colhe os frutos de uma espécie de resiliência. É uma mistura de sensações que as duas faixas separadamente causam e agora surgem ao mesmo tempo. Não tem como não se arrepiar.
Em termos de qualidade, não há o que questionar. As combinações são excelentes; é muito bom revisitar estes clássicos de maneira diferente. Não acredito que seja apenas um apelo à nostalgia; penso que o rap nacional está carente de homenagens como essa. Temos, pontualmente, referências em versos, alguma música dedicada e retomadas de alguma sonoridade, como o próprio FBC & Vhoor fizeram em “Baile”, mas um retorno ao começo como esse, aos versos e à produção que definem o artista, é raro.
“Boa Esperança” é extremamente crítica, “Levanta e Anda” evoca esperança e “Papel, Caneta e Coração” mostra um Emicida entregue à sua arte. As produções, por sua vez, são marcos importantes na carreira do Racionais e pilares do Hip Hop nacional; dificilmente alguém não reconhece essas produções. Com certeza, foram músicas que marcaram a vida de Emicida, assim como marcaram a vida de todos os fãs de rap nacional.
Se reconectar ao que o inspirou e a algumas de suas melhores composições é muito importante para qualquer artista, para que não se perca em meio a polêmicas e não se afaste do que o levou até aquele lugar. Espero apenas que Emicida tenha aproveitado esse projeto para se reconectar com essa “caneta”.
“AmarElo”, seu último disco, foi um álbum importante na carreira de Emicida, que aproximou o rap do MPB como poucos artistas conseguiram, foi muito bem desenvolvido por um longo período, inclusive pós-pandemia, mas é inegável que a intensidade das rimas e os temas se distanciaram daquele MC conhecido por “matar MCs” e por nos entregar faixas como “Dedo na Ferida”.
Queremos ouvi-lo, de certa forma, com fome — mas uma fome de provar que é um dos melhores, que merece ser colocado ao lado de nomes como o Racionais, que o inspiraram e hoje o têm como igual.