O best seller do Djonga?
“Quando Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto!” É como se o ouvinte tivesse caído numa fenda nostálgica dos formatos de líricas e flows que Djonga começou a trazer com mais ênfase entre os álbuns antecessores a esse novo lançamento, “O Menino Que Queria Ser Deus (2018)” a “Nu (2021).

Quando ele dizia “Essa vai só pra quem pensou que nois tá fraco […] o terror voltou!” lá na faixa “Atípico”, que abre o disco “O Menino Que Queria Ser Deus”, soa como se ele soubesse que esse trecho iria ecoar na mente de quem o acompanha desde então e vê permanecer a sua parceria musical com o produtor musical e beatmaker Coyote Beatz, responsável pela suma maioria das suas discografias musicais desde “Heresia” (2017), onde tudo começou através dos singles “Esquimó”, “Verdades Inventadas” e “O Mundo É Nosso”, logo, isso é quase que uma assinatura quando nos propomos a sentir com profundidade toda a obra musical, com seus arranjos, melodias e ritmo incontestáveis.
São poucas as vezes que encontramos o Djonga sem a assinatura do Coyote Beatz presente, tal qual em “Amr Sinto Falta da Nssa Ksa” – Djonga, Renan Saman no disco “Histórias da Minha Área” e “Xápralá” – Djonga, MDN Beatz, Rapaz do Dread em “Nu”, ou em grande parte de “O Dono do Lugar” (2022), onde ele experimentou diversas sonoridades diferente com artistas que estavam sendo visados naquela época.
O que antecede a “Inocente Demotape”, onde encontramos um Djonga completamente envolto nas lovesongs e um flow mais melódico do que em todos os seus trabalhos anteriores. É como se ele tivesse assumindo baixar a guarda para mostrar um outro lado de si mesmo, permitindo se mostrar mais romântico e falando sobre essa sinceridade dos seus sentimentos. Djonga poucas vezes se veste dessa vulnerabilidade e é bonito ver esse quebrar um fluxo de discografias com uma outra proposta de densidade musical, nesse trabalho com artistas do trap que trazem em suas histórias versões diversas do amor e seus estilos de vida.

Best Seller of Djonga fez o seu propósito de trazer a música em sua racionalidade, sem vocais, só o instrumental. Mas agora abre caminho para um outro momento da carreira de Djonga, aquele mesmo menino que queria ser Deus, sabendo fazer reverberar as suas dádivas musicais na cena do rap brasileiro. Djonga retornou mais forte do que nunca.
O pano de fundo: a fome
O novo álbum de Djonga, “Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto!”, reflete sobre a fome como uma força motriz em sua vida. Apesar de ter superado a pobreza e alcançado sucesso, o MC mineiro afirma que sua ambição permanece intacta.
Para explorar esse tema, Djonga usa a história de Exú, o orixá iorubá que representa uma fome insaciável. O conto simboliza a ambição como uma energia primordial que impulsiona a vida e a distribuição de recursos.
No álbum, Djonga conecta essa fome à sua própria trajetória. Em “FOME”, ele canta sobre mudar sua realidade sem perder sua essência: “Não vou trocar o moleque que só pensa em dançar / Por um adulto covarde que só pensa em sustento”. Em “PPRT!”, ele reforça que já lutou por necessidade, mas agora luta por prazer, e reconhece a divindade tanto no “mano da cor formado” quanto no que está “roubando” ou “conformado”.
A ideia de transformar a fome em ambição e lembrar da caminhada é central. Em “JOÃO E MARIA”, Djonga refaz a fábula com gotas de sangue no lugar de migalhas, simbolizando os rastros de sua luta. Já em “LIVRE”, ele relembra os tempos de “copos cheios e bolsos vazios”, mas reconhece que foram os erros que o trouxeram até o sucesso atual.
Até mesmo nas faixas românticas, como “MELHOR DE MIM” e “QQ CÊ QUER AQUI”, o desejo e a fome se manifestam como anseio por amor e por uma vida compartilhada.

No entanto, o álbum peca pela repetição. Apesar de beats bem produzidos, as letras revisitam temas já explorados por Djonga em trabalhos anteriores, como “LADRÃO” e “O Menino que Queria Ser Deus”. Versos como “Uns nascem com dom pra dono / Outros pra mascote” soam desgastados, e até a faixa com Milton Nascimento, “DEMORO A DORMIR”, não escapa dessa saturação lírica.
A metáfora da fome de Exú, que na cultura iorubá representa a capacidade de devorar e renovar, acaba soando como uma reciclagem do mesmo, e não como uma evolução. A pergunta que fica é: o que Djonga tem consumido artisticamente? Seu apetite parece saciado com as mesmas referências de antes. Para continuar relevante, Djonga precisa expandir sua dieta cultural, incorporando novas influências e subvertendo o velho. O futuro de sua obra dependerá dessa capacidade de renovar a fome