Quais lovesongs mudaram o jogo no rap nacional?
Foi essa pergunta que resumiu nossa proposta ao refletir sobre as 15 melhores românticas do rap nacional. Há mais de 20 anos, essas músicas de amor vem cada vez mais tomando seu espaço dentro do cenário do rap nacional, que sempre sofreu tanto na mão de alguns púdicos que tentavam enquadrar nosso rap “nisso” ou “naquilo”.
Hoje a maré não pode ser mais contida e as faixas românticas ganharam seu espaço. Com videoclipes que ultrapassam de milhões visualizações em pouco dias, estas faixas compõe a vertente que mais cresceu no rap nacional nos últimos anos e nós tentamos remontar, a partir dos votos da nossa equipe de edição, uma lista que contemple uma “linha do tempo” e inicie uma reflexão sobre as maiores lovesongs do rap nacional.
Dessa vez, diferentemente das outras listas, não atribuímos pontuação ponderada, apenas a pontuação simples (ou seja, 1 voto = 1 ponto) por isso houveram alguns empates que foram discutidos internamente até chegarmos num consenso sobre os melhores entre mais de 50 músicas citadas.
A qualidade dos versos e a influência de maneira geral na cena, foram as principais características pedidas aos nossos membros que propuseram a votar. Foram lembrados hinos que acabaram por ficar de fora.
MENÇÃO HONROSA
Começando com “N.A.D.A.B.O.M [parte 2]” do Costa Gold com participação de Don L e Luccas Carlos que, tirando a polêmica que envolve a faixa, rapidamente se tornou um dos hits românticos mais ouvidos do rap nacional.
Tem também a faixa póstuma do eterno Sabotage, “A maior dor de um homem”, que ganhou uma versão oficial com Mano Brown. Entre os versos desses dois gigantes, Sabota falando do amor não correspondido e Brown sobre a atração incontrolável do casal, o “amor bandido” ganhou outro patamar com a existência dessa música.
Depois vale lembrar de “Amar É” do Kamau. Diretamente do underground, a faixa de dá uma perspectiva do amor extremamente plural e sensível, levando o conceito de amor para horizonte até então inexplorável, nos fazendo prestar atenção em cada detalhe.
Por fim, Negra Li com “Você vai estar na minha” já falava da beleza e do amor negro de uma forma extremamente acessível há quase 10 anos atrás. O sucesso levou a faixa a ser trilha sonora de novela e séries muito antes do rap alcançar a popularidade de hoje em dia.
Clássicos lançados por grupos como Oriente, 3030 ou pelo Emicida foram extensamente lembrados, mas infelizmente ficaram fora do Top 15 da equipe por diferentes motivos.
Mais de uma música por artista também não foi permitido, para haver espaço para “premiar” mais nomes. Desta forma, Don L e Black Alien estão entre os que figuraram com mais de uma faixa nas votações, tendo a possibilidade de serem duplamente “premiados”, caso não houvesse tal regra.
Enfim, esperamos que a lista levante a discussão e nos faça relembrar algumas das faixas românticas que marcaram nossos corações nas últimas décadas.
Fiquem então com o nosso Top 15 “Melhores Lovesongs”:
15º – Haikaiss, ‘Sem Graça’
O vídeo mais visto do rap nacional (e talvez um dos mais vistos de toda a música brasileira) dentre os que não possuem nem mesmo um lyric video, muito menos um clipe, com nos dias de hoje mais de 60 milhões de visualizações. Esse foi o feito que os, na época, garotos da Zona Norte de SP atingiriam ao lançar essa canção em 2013. O nome do grupo, Haikaiss é derivado do termo “haikai” que se refere a um tipo de poesia muito bem organizada e nessa música eles destilam toda a sua habilidade poética:
“Tentar ver plural no singular
Cada um, cada um, me despeço e vou cuidar do universo particular”
Tentar ver plural no singular é realmente muito complexo, mas com uma produção mais do que magistral de Rodrigo Tuchê, sampleando uma belíssima música da nossa MPB, tudo ficou mais simples. Produção essa que se torna uma batida que durante todo o tempo dá o tom melancólico com os quais os três MCs rimam de uma forma que a canção não nos deixa claro se eles querem seguir ou findar àquele amor tão forte. Como também nos deixa em dúvida se foi escrita de fato para a moça ou se apenas como um lembrete à eles mesmos do porquê daquela relação estar indo para o ralo. Mas afinal, quem pode culpar a quem, se “no fundo eu te dou razão, sei que não fazes por mal”? – João Vitor Félix aka Peixeeh
14º – Djonga, ‘LEAL’
Djonga tem uma relação direta nas semânticas das letras: não precisa pegar as entrelinhas para entendê-lo, e em LADRÃO, ele toma de assalto o posto que era da “Marcha Nupcial” de F. Mendelssohn, e assume com ‘LEAL’ o status de “música dos casamentos”. Os diversos pedidos feitos no show do rapper são a prova da representatividade da música. Aqui, o rapper usa a palavra “leal” e não “fiel”, já que a lealdade vale, então, mais do que a fidelidade exclusiva – às vezes até forçada; sendo o companheirismo, a amizade, a paixão, a reciprocidade e a admiração mais importantes para um relacionamento, afinal, se tudo der errado, “ela vira sua amiga”. “LEAL” é uma canção universal, Djonga canta uma relação que nada perde, que se conquista e que tem como alicerce dois pilares importantes: o eu e o tu, os formadores do “nós”. Porque é “nós contra o mundo sempre”, mesmo com as brigas, com as coisas ficando mais quentes, “nós dois sentimos” e assim “nós construímos pontes indestrutíveis”. Essa lealdade, esse “nós”, se baseiam na realidade, em algo que realmente existe. Não é uma música que se cante pra qualquer um, pois ela conta histórias, belas histórias. Histórias de casais que existem em todo o Brasil. O resto é fofoca. – Chermont
13º – Projota, ‘Mulher’
Símbolo de uma geração de lovesongs do rap nacional, muitos podem não lembrar ou não acreditar, mas 11 anos já nos separam da primeira versão dessa música, lançada em 2009.
Na época Projota e seus amigos, como Rashid e Emicida, ainda começavam a se aventurar nas gravações (eram MCs de batalha) e principalmente nas lovesgons (seu foco era outro) e não sabiam que ali estariam mudando o rap nacional para sempre. A música foi feita num momento de descontração entre Projota e outro de seus amigos, Mayk (membro do grupo Terceira Safra) tocando um violão, no melhor estilo “meu celular é meu estúdio”.
Foi uma das primeiras grandes lovesongs que essa leva de MCs lançaram e que marcaria o nome de todos eles na história, por serem a geração que consolidou o romantismo no rap. Emicida conseguiu provar com seu disco de 2009 que o rap podia sim alçar vôos maiores, mas foi Projota que iniciou uma onda que, além de afirmar categoricamente que as músicas românticas eram sim uma forma legítima de fazer rap; trouxe também outros ouvintes que antes não ouviam a música feita pelo hip hop e estavam órfãos desde a decadência do rock e outros estilos musicais. 5 anos depois daquela, ele lançou uma versão de estúdio através de uma grande gravadora, talvez já mais ciente do que tinha feito. O jovem Projota não sabia o que estava fazendo quando pegou aquele celular, mas Tiago sabia o que tinha feito quando entrou pela porta da Universal Music. – João Vitor Félix aka Peixeeh
12º – 1Kilo, ‘Deixe me Ir’
Quem viveu época de “Deixe me Ir”, entre 2017 e 2018, sabe bem o tamanho e a proporção que essa música tomou – são 373 milhões de visualizações no Youtube no momento que escrevi esse texto.
Não é nenhum exagero dizer que foi com essa faixa da 1Kilo que entramos na era dos acústicos. Mas falando da faixa em si, Baviera traz um verso carregado de sinceridade, de um amor ferido e confuso, mas que acredita acima de todo naquele sentimento. Knust reforça essa ideia ressaltando que a vida tem muito mais a oferecer, o clichê que todos querem ouvir. Por fim, Pablo Martins fecha a ideia da música como se fosse uma confissão do quanto aquele amor afeta o romance e que aquele o momento decisivo.
O romance descrito na faixa leva a entender que a despedida é apenas um “até logo”, pois no fundo o casal indica que acredita que estão destinados a ficarem juntos. Esse conto de amor facilmente se tornou o hino de muitos casais pelo Brasil, tornando a faixa um hit incontestável. Mesmo que não tenha um refrão bem definido ou repetições de versos, a faixa foi decorada e repetida incontáveis vezes pelos casais apaixonados. Quando falamos de lovesongs, não há como não colocar Deixe me Ir como uma daquelas que mudou o “jogo” e marcou uma geração. – kray
11º – Tássia Reis, ‘No Seu Radinho’
Ainda lembro com suspiros há 7 anos atrás ao ouvir pela primeira vez a ainda desconhecida pra mim Tássia Reis. O primeiro álbum dela, um EP auto-intitulado, foi um banho de ternura e leveza em um período que ainda não havia a chuva impiedosa dos acústicos de rap e o boom de músicas românticas. A doçura e beleza da voz de Tássia me apresentara um universo próprio e singelo, nos primeiros e já grandes passos de sua carreira. “No Seu Radinho” é talvez o ápice de um dos melhores álbuns de estreia dessa década. Ela é mais que refrão, é mais que uma música inteira, é um fenômeno de voz, melodia e afetuosidade, com toda a carga e experiência de uma mulher negra interiorana. Que nossos rádios e vidas sejam repletos desse carinho mágico. – Igor França
10º – Ndee Naldinho, ‘Aquela mina é firmeza’
Lá do início dos anos 2000, a canção já tem um tom de nostalgia quando toca. “Aquela mina é firmeza” é uma narrativa sincera de Ndee Naldinho diante da partida da mulher amada. A partir dos elogios e palavras de gratidão, percebemos o motivos de Ndee só falar dela pelos rolês. Quem de nós não valorizou uma mina ou um mano firmeza só depois que o perdeu? Independente disso, é importante lembrar que o mesmo rap que por vezes reforça comportamentos machistas, encontra também formas de subverter essa lógica, ao demonstrar que vida loka também ama e desabafa com os amigos. Ninguém passa ileso de um grande amor. – Marta
9º – Rael, ‘Envolvidão’
Entre as cinco faixas que compõem o EP de 2014 Diversoficando, o single “Envolvidão” foi definitivamente a canção que mais chamou a atenção do público, tanto que seu clipe ultrapassou a marca de 100 milhões de visualizações. Numa música composta por vocais melódicos cativantes e elementos típicos da música brasileira, Rael retrata um sentimento de paixão por uma mulher enquanto descreve as características físicas e pessoais da amada, além de dizer detalhadamente como chegou a conhecê-la: “Havia conhecido através de um conhecido / Ela é prima de um amigo que eu trombei num rolê”. Trata-se de uma mulher negra mais sofisticada, inteligente e sensual, que deixou o eu lírico afeiçoado, não sendo capaz de resistir e querendo permanecer na presença dela. – Ferbinho.
8º – Pineapple StormTv, ‘Poesia Acústica #3: Capricorniana’
Recentemente, a série em questão vem sofrendo uma série de críticas, umas com fundamento, outras não. Mas é fato que uma lista de lovesongs brasileiras sem citar uma das instâncias de Poesia Acústica é quase impossível. A série é uma das responsáveis da popularização do rap para ouvintes de outros gêneros musicais aqui no Brasil, acumulando mais de um bilhão de visualizações, só no YouTube. “Capricorniana” subverte MCs que normalmente teriam flows mais agressivos, colocando-os para rimar numa cadência mais melódica, e esses, somados com os que já eram conhecidos por sua voz, geram uma formula única. Vale a pena destacar os versos de Tiago Mac, com uma jogada genial onde ambos possuem uma escrita muito semelhante, porém com ideias opostas; além de Maria, que por mais que não tenha nenhum verso solo na música, aprimora todos os outros com seus vocais – Felipe Ferreira (kmiya)
7º – Rashid – ‘Bilhete’ & ‘Bilhete 2.0’ ft. Luccas Carlos
Essa é uma música sobre a partida da mulher amada, que deixou um bilhetinho mixuruca de despedida. Apesar de não estar mais ali, a canção é capaz de fazer sua presença real de novo, a partir da lembrança dos momentos que viveram juntos. Ficaram a saudade e um resto de guloseimas Fini. Ê sofrência! O mais interessante é que em “Bilhete 2.0”, Rashid e Ccaslu parecem atualizar “A Rita”, música de Chico Buarque, lançada em 1966. Nas duas canções, a partida da mulher amada não resulta apenas na perda de alguns bens materiais, mas também na perda de algo subjetivo que os impede de amar outra pessoa novamente. Devolve o coração dos meninos, Rita! – Marta
6º – Don L, ‘Beira de Piscina Remix’ ft Rael
Embora a faixa faça parte da Mixtape Caro Vapor/Vida e Veneno de Don L (2013), ela foi produzida para o projeto do DJ Nyack chamado Remixtape Emicida (2013), no qual artistas da cena faziam releituras de faixas do Emicida. É muito provável que naquela época ninguém imaginaria que Don L conseguiria, com todo respeito ao Leandro, roubar a faixa para si.
Esse feito foi conseguido a partir de versos que te fazem visualizar o amor no meio de sonhos ambiciosos, amor este que de maneira imprevisível chegou e tomou a atenção do personagem sonhador descrito por Don. A impecável produção do Casp ganham imensa profundidade nas rimas do MC nordestino, como se fossem as fotos de Autumn ou um verdadeiro filme, que se concretizou com toda classe e profundidade no belo clipe dirigido por Toddy Ivon. Uma declaração amorosa musical como essa é tão rara como o próprio amor verdadeiro. – kray
5º – Baco Exu do Blues, ‘Te Amo Disgraça’
Em um álbum que dispensa apresentações, a nona faixa de Esú (de quebra, a Melhor Música de Rap de 2017 pelo Prêmio Genius Brasil de Música) chama a atenção por ser uma lovesong diferenciada. Uma lovesong “crua”, que abandona – ainda que não totalmente – os clichês desse estilo. Baco entrega a sensualidade e a paixão de um relacionamento de maneira real, e é nesse real que nos identificamos e também é o “X” do sucesso da canção. ‘Te Amo Disgraça’ nos entrega a intimidade, o cotidiano, os conflitos e a igualdade entre os pares (além das partes cômicas envolvendo o Felipe Melo). A canção é algo fora da curva das canções de amor tradicionais; desmitifica o “senso comum lírico” e é um marco importante para pensarmos no estilo “lovesong” dentro do rap nacional. – Chermont
4º – Motirô, ‘Senhorita’ ft. Cabal
Se os Racionais nos mostraram com Sobrevivendo no Inferno que o rap podia almejar alcançar muito mais lugares e parcelas de um público que antes não ouvia rap, o Motirô através da voz de C4bal, nos mostrou que os rappers podiam sim fazer dinheiro. Lançada através da gravadora EMI, a música alcançou top 10 em diversas rádios do país e rendeu ao grupo a primeira premiação de platina (100 mil cópias) para um “single” de rap nacional.
Fruto de uma produção do DJ Hum que estourou anteriormente ao lançamento da música, o lendário beatmaker convidou, algum tempo depois, os membros do seu coletivo Lino Krizz e C4bal para rimarem em cima daquela batida que ficou marcada na história. Na época choveram críticas dos famosos guardas do rap, hoje só os loucos não conseguem ver a influência dessa canção através do tempo. – João Vitor Félix aka Peixeeh
3º – BK’, ‘Amores, Vícios e Obsessões’
Amores, Vícios e Obsessões é um relato sombrio sobre o vaivém de um relacionamento complicado, seja ele real ou metafórico. Abebe Bikila, inserido na contradição entre luz e sombras que tematiza sua masterpiece Castelos & Ruínas, transporta esse tema de forma magistral para uma canção de amor, sobre o amor, sobre a vida e a morte do amor, sobre a metáfora do amor como “a vida gangorra”. A faixa mistura o storytelling com uma reflexão profunda sobre o amor e suas contradições, o que dá a sensação de que BK’ está ao mesmo tempo falando sobre uma história pessoal e sobre o amor de forma universal, de uma maneira que qualquer um que já tenha amado possa se identificar. E esse recurso poético empregado com maestria por BK’ faz da faixa não só uma das mais icônicas canções de amor do rap brasileiro, mas nos deixa até hoje com a sensação de que BK’, ao descrever de forma tão sombria um relacionamento complicado, está na verdade falando de sua relação pessoal com o rap. – FelipeAdao
2º – Black Alien, ‘Como eu te quero’
Não seria surpresa se esta canção estivesse em primeiro lugar. Observando que “Como eu te quero” é a segunda música mais antiga contida na lista, atrás apenas de “Aquela Mina é Firmeza”, somos levados a refletir há quanto tempo essa canção perdura nos fones e nos corações dos ouvintes. Possivelmente um dos maiores sucesso da carreira do Mista Black, “Como Eu Te Quero” foi lançada junto com um clipe há 16 anos atrás, onde uma moça em todo o seu esplendor, se vê no vai-e-vem da cidade, enquanto Black Alien vai atrás revelando que “onde ela estiver, ele vai”. Assim como seu álbum, marcou e influenciou todas as gerações a seguir, esse hino que embala casais há tantos anos, viria a moldar também tudo o que conhecemos como “lovesong” no rap nacional. – João Vitor Félix aka Peixeeh
1º – Flora Matos, ‘Pretin’
‘Pretin’, expõe o ápice do tesão e da entrega em versos que Flora Matos canta para convencer seu amado de que ela é a number one.
Em um flerte carregado de sensualidade, os versos exprimem a paixão da forma mais inebriante possível; desde de acordar pensando naquele beijo gostoso, até se render aos encantos do amor e firmar uma relação, já que “não tinha porque se esconder assim”. Com um instrumental tão carregado de suíngue quanto a carga lírica, a mais clássica das canções de Flora é um claro exemplo do que é se apaixonar. – RFLNSAN