Um dos grandes nomes do nordeste, Rapadura mora desde a infância na capital federal e começou a compor, ainda na adolescência, no final dos anos 1990. Surgiu para o cenário ao participar, em 2006, do disco do brasiliense GOG, Aviso às Gerações, na faixa “A Quem Possa Interessar”. Seu trabalho no período o rendeu o prêmio de melhor artista solo do Norte/Nordeste no Prêmio Hutúz de 2007. Em 2010 veio finalmente sua estreia solo, e único álbum, Fita Embolada de Engenho. Era então consagrado sua típica linguagem e vestimenta, remetendo à vida interiorana do nordeste brasileiro. Durante isso já tiveram diversas participações com nomes como Edi Rock, Thaíde, O Rappa e Oriente, além do single “Monstro do Ceará“, de 2012. Desde então é esperado uma sequência, que ele mesmo prometeu, mas ainda não lançou. Ele promete coisa nova em breve. “A galera espera muito do meu trabalho, a cobrança é muito grande, eu também não posso colocar qualquer coisa na rua. Então estou trabalhando nisso […]”, pondera. “Posso dizer que no segundo semestre agora eu vou estar lançando um EP e no começo de 2018 o disco, já para alimentar a galera que está esperando a muito tempo por isso aí”, garante.
A faixa mais acessada do rapper no Genius é a cypher “Expurgo”, que conta com os também nordestinos Baco Exu do Blues e Diomedes Chinaski—além do carioca Nissin. Sobre uma possível participação com ambos em projetos futuros, Rapadura pondera: “para fazer música junto tem que ter uma vivência, uma amizade, pra que a música possa ser verdadeira”. “Quando eu tenho intimidade com a pessoa, me sinto à vontade para falar, pra fazer, eu faço uma música”, conclui. Cypher tal qual ele finaliza: “sem ‘disse me disse’ pois depois disso não tem mais diss”. Porém, eis que no final de junho deste ano eis surge o seguinte verso de seu conterrâneo Don L em seu recente álbum, RPA3: “há dois ano com uma sede de secar a Sabesp / sem chapéu de palha, nada clichê e velho”. Muitos atribuíram tais linhas um “ataque” a Rapadura. “Se é uma diss, quem tem que dizer é ele. Ele que fez a música, ele que tem que dizer pra quem que ele fez”, analisa. “Agora a questão da letra, como eu escrevo também e como eu vivo a vida pelo nordeste, viajo muito pelos interiores, pelos campos, eu acho uma ignorância muito grande você falar em esteriótipo, o chapéu de palha ser um estereótipo nordestino, quando você bota um boné da New York na cabeça […]”, argumenta. Continuando sua resposta, ele fala de seus prêmios e participações em grandes festivais, como Cannes na França e o Hip-Hop Kemp, na República Tcheca. “Por que será que eu ganhei esses prêmios? Porque tem MCs muito mais famosos que eu, que estão na mídia, fazem mais shows… Aí vem a questão da representatividade, vem a questão da sua raiz colocada dentro do seu trabalho”, avalia.
Premiado, o rapper é um grande expoente do rap do nordeste, tão marginalizado durante tanto tempo. Falando ainda sobre o cenário, “Sulicídio” e carreira, Rapadura reflete seu trabalho e aponta rumos de seu futuro. Confira a entrevista completa, dada à equipe durante uma passagem pelo interior da Bahia, abaixo:
Em 2010 você lançou a mixtape Fita Embolada do Engenho, e em 2015 você anunciou um segundo volume deste trabalho, no Facebook, junto a uma promessa de um novo disco para 2016. Porém, ambos não foram lançados. Qual foi o motivo?
Rapadura: o motivo foi, primeiramente, a agenda cheia. Que para fazer um disco é como se fosse gerar um filho. Então tem que ter uma concentração muito grande naquilo. E quando a gente tem uma agenda muito grande de show a gente não consegue parar para se concentrar e fazer o disco, fazer as músicas. E como a galera espera muito do meu trabalho, a cobrança é muito grande, eu também não posso colocar qualquer coisa na rua. Então estou trabalhando nisso, mas eu posso dizer que no segundo semestre agora eu vou estar lançando um EP e no começo do ano [2018] o disco, já para alimentar a galera que está esperando a muito tempo por isso aí.
Você já tinha a ideia de dar continuidade ao Fita Embolada do Engenho?
Rapadura: eu tava com a ideia de lançar o Vol.2 da Fita Embolada [do Engenho], mas aí a galera tava numa cobrança muito grande pelo disco. Então, eu resolvi fazer logo o disco e mais para a frente eu faço o Vol. 2 da Fita Embolada, que é um projeto que é duradouro e sempre vai ter outros volumes.
Visando o cenário atual do rap nordestino, você pegaria nomes como Baco e Diomedes para participarem da mixtape Fita Embolada do Engenho Pt. 2 ou para o novo disco previsto para 2018?
Rapadura: eu acho que no meu contexto de vida, todas as pessoas com quem eu fiz música juntos, ou trabalhei junto, eu sempre tive uma vivência junto. Porque a música ela vem da vida, ela vem vivência que a gente tem. Não tem como, um exemplo, chamar o Nando Reis pra cantar uma música comigo sendo que eu nem conheço o cara, nunca convivi com ele, só [conheço] pelo nome dele. Então todos os trabalhos que eu participei, Inquérito, tive convivência com o Renan, MV Bill eu tive convivência, [tive convivência] de muito tempo até as ideias juntarem, baterem pra surgir uma música, então eu penso muito nisso. Para fazer música junto tem que ter uma vivência, uma amizade, pra que a música possa ser verdadeira. Quando eu tenho intimidade com a pessoa, me sinto à vontade para falar, pra fazer, eu faço uma música. Tem um trabalho na internet que chama Amor Popular, os ouvintes que foram admirando o trabalho foram pegando música daqui e música dali e juntaram e botaram como um disco. Mas é uma música que eu participei do disco do GOG, daí tem outra que eu fiz com uma amiga minha lá de Portugal, que é a Chininha, tem outra com o Clayton, mas foi coisa de amigo mesmo. Todas as pessoas eram minhas amigas.
Você chegou a ouvir o disco RPA, Vol. 3, do Don L? No disco, há uma faixa chamada “Eu Não Te Amo”, que recebeu uma atenção especial do público do Genius, por possivelmente incluir uma diss a você. Qual a sua opinião sobre isso?
Eu não cheguei a me aprofundar, ouvi algumas faixas. Se é uma diss, quem tem que dizer é ele. Ele que fez a música, ele que tem que dizer pra quem que ele fez. Agora a questão da letra, como eu escrevo também e como eu vivo a vida pelo nordeste, viajo muito pelos interiores, pelos campos, eu acho uma ignorância muito grande você falar em esteriótipo, o chapéu de palha ser um estereótipo nordestino, quando você bota um boné da New York na cabeça, isso também é um estereótipo, é o estereótipo americano. Então o que seria estereótipo, o chapéu de palha, um boné americano na cabeça, ou um cabelo pintado (que é uma parada gringa também, que a galera lá fora faz muito e tal)? Então, é muito delicado, tem que ter muito cuidado na hora de escrever uma música, no que você fala. A cultura nordestina nunca vai ser velha. O camponês sempre vai existir, a lavoura sempre vai existir. A maior parte da população é camponesa. As capitais são o mínimo, é a parte menor de cada estado. E o que faz mover as capitais é a galera do campo. Então, se você vive numa capital e ignora a existência de um campo, de um povo do interior, que faz não só as capitais nordestinas, mas as capitais brasileiras terem vida, terem essa sobrevivência, então você é um tremendo ignorante em negar isso e dizer que você carregar as suas origens é um estereótipo, quando você veste o estereótipo vindo de fora.
É como eu falei, numa entrevista que eu dei, eu falei o seguinte: eu não concordo com a forma como foi feita [“Sulicídio”], porém eu apoio a causa. A forma como foi feita eu não apoio, eu não te conheço e chegar “vai tomar no c*” numa letra sem nem conhecer você. Eu não concordo com isso. Porém, meter tapa na cara e chamar atenção, olha a gente existe, a gente tá aqui a muito tempo e ninguém vê… Porque quando a gente chega educadamente muitas vezes não surte um efeito, muitas vezes tem que chegar gritando “Ô meu irmão, vai se lascar”, “eu tô aqui” e tal, a galera começa a prestar mais atenção. Achei que foi muito importante, não só para o nordeste, mas pro Brasil, porque a partir disso muitas coisas vieram acontecendo, consequentemente. Não só por causa disso, mas isso deu um choque nas pessoas. Hoje Minas faz som com Rio, Goiás faz com Brasília, Brasília faz com São Paulo e a parada tá girando entre muita gente. Só que o outro lado da questão é o seguinte, eu gritar nordeste cantando em cima de um trap é de certa forma uma contradição, porque você tá gritando nordeste fazendo uma parada americana, você ainda tá no bagulho americano.
Aproveitando a resposta, você dá a entender que hoje a música, o rap, chega mais fácil nos ouvidos das pessoas, devido à própria internet e as possibilidades que eventos de música proporcionam. Como foi representar o rap nacional em premiações e eventos importantes este ano?
Rapadura: esse ano nós ganhamos dois prêmios importantes, um foi concorrendo com Dr. Dre e Joey Bada$$ em Nova York e o outro foi o festival de Cannes que é o maior do mundo de publicidade, na França. Aí eu me pergunto: por que será que eu ganhei esses prêmios? Porque tem MCs muito mais famosos que eu, que estão na mídia, fazem mais shows… Aí vem a questão da representatividade, vem a questão da sua raiz colocada dentro do seu trabalho. Eu também toquei no Hip Hop Kemp, que é o maior festival de Hip-Hop do mundo, e eu sou o único artista da América Latina que tocou neste festival, que ele reúne de 20 a 30 nomes mundiais que a gente admira da gringa de todo canto e só eu tava lá, só eu fui lá até hoje. Então, isso mostra como quem tá lá fora tem um respeito grandioso pelas nossas raízes que nem nós mesmos temos. Nós não nos reconhecemos. A gente se baseia em tudo que vem de fora, menos no que nós somos. Então é uma coisa muito perigosa. A música é universal, não quer dizer que todo mundo tem que ser igual RAPadura, tudo mundo tem que botar chapéu de palha, não, você tem que ser o que você é, certo? Tentar ser o mais original possível, porque rap nacional pra mim não é só cantar em cima de uma batida em português, porque português nem idioma nosso é, é um idioma imposto pela colonização. Então, é buscar ser original e mostrar o que a gente é, o nosso povo a nossa raiz, nossa essência. Ninguém tem que ser igual a ninguém, porém devemos nos respeitar.
Primeiros as facilidades, hoje temos muito mais facilidades. Você vê que a galera tem boas câmeras, tem produtor, tem agenda de show, tem fotos de qualidade, release, coisa que ninguém ninguém tinha. Ninguém tinha uma foto de qualidade, um release, um produtor. A gente fazia coisa meia boca. Hoje todo mundo está se profissionalizando. Sempre tem um videomaker, sempre tem um fotógrafo profissional, isso também, de certa forma gera emprego pra outras pessoas, pra esses outros meios que estão trabalhando e tal. A molecada hoje ganha uma grana, coisa que a gente nem sonhava naquela época , ninguém ganhava um centavo, ainda mais com rap, com música mal e mal, com rap era utopia. Por essa parte, eu vejo a economia girar entre nós, eu acho foda essa parte. Só que a outra parte, do conteúdo, também se perdeu um pouco e a originalidade. Nos anos 90 você pegava 40 grupos de rap, nenhum se parecia com outro, é impressionante. GOG, Câmbio Negro, Baseado nas Ruas, Cirurgia Moral, Alibi, Visão de Rua, Consciência Humana, Racionais, Thaíde & DJ Hum, Doctors MCs, qualquer grupo, nenhum se parece com o outro, SP Funk, ZÁfrica Brasil, RZO, SNJ, todo mundo era original e todo mundo passava uma mensagem, todo mundo curtia os bailes, todo mundo dançava e tinha público, não rolava o dinheiro porque não tinha essa mídia ainda. Hoje o rap é a música mais ouvida do mundo, a gente ultrapassou o rock, nos Estados Unidos que era uma parada quase imbatível. Melhorou muito na questão econômica, profissionalismo, a galera tá mais profissional, mas em conteúdo eu acho que perdeu um pouco.
Poderia explicar melhor o porquê de ter ocorrido essa perda de conteúdo?
Rapadura: porque hoje pessoal acha que lírica é só punchline. Lírica? Lírica é poesia, porra, é como você aborda uma rotina, como você aborda uma lágrima, um sorriso, isso é lírica, mas a pessoa acha que lírica é só meter punchline. E as punchline, quase que 98, 99% de punchline do rap nacional é com referência gringa. Aí quando eu venho com referências nacionais, brasileiras, na cypher “Expurgo”, muita gente não sabe quem é Euclides da Cunha, não conhece os violeiros, não sabe do que eu estou falando, não sabe que na década de 60 e 70 frequências de rádio da Jamaica e do Caribe pegavam em algumas regiões do nordeste, que é um fato histórico, ninguém sabe. Enquanto nós ficarmos reproduzindo essa parada exterior, a criança vai crescer querendo ser um gringo, ela não vai querer ser nordestina porque ela tem vergonha, porque o nordestino tá sempre abaixo dos outros, é sempre pior ou mais pobre, ou mais miserável. Na “Norte e Nordeste Me Veste” eu mostro um clipe verde, um açude cheio, não mostro a miséria, mostro a nossa força, a nossa independência e que a gente não é só aquilo que as pessoas mostram. E mais uma vez, o chapéu de palha é um esteriótipo lindo pra caralho e RAPadura é o personagem, aquele que vocês não tiveram coragem de ser.
Muita gente me pede um livro meu, é uma coisa que eu penso assim. E uma outra coisa que eu penso é produzir outra galera, a molecada nova com esse incentivo mesmo de cultura. Eu tenho viajado muito, pelos interiores, vejo uma galera muito criativa, muito talentosa, que tem essa visão de raiz, só que não tem oportunidade e não tem estrutura. Eu quero ir nestes lugares futuramente, estou comprando microfone e tal, produzo tudo no computador, minhas músicas sou eu que produzo. Quero estar aí nestes lugares captando essa galera e botar pro mundo.
Nunca desacreditem de vocês, porque você é seu melhor amigo e o seu pior inimigo. Se você desacreditar de você acabou. E a dúvida é a maior lâmina, é a faca mais amolada que corta qualquer ser humano, em dúvida você não consegue fazer nada, você não sabe por onde começar, pra onde ir. Nunca tenha dúvida do que você se propõe a fazer, da sua missão aqui na terra. Primeiro tente se encontrar, saber se essa é realmente a sua missão, encontrou, se encontrou na missão, vai que vai, nada de talvez, nada de talvez, nada de será, e vai no sim, vai no sim que vai acontecer. Tenha fé que vai dar tudo certo.